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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Uma Rosa Branca na Água

     Ainda sinto saudades de quando papai me levava para a casa de veraneio da vovó! Nossa, lá era incrível. Lembro-me muito bem de que quando eu chegava, dava um beijo na vovó e corria direto para o pier até chegar bem próximo da lagoa. Era uma lagoa enorme com águas escuras e verde. Puxa, ainda sinto o cheiro característico que só aquela lagoa tinha. Eu arrancava minha blusa e pulava de short naquela imensidão de água. Eu sabia nadar, pois papai havia me colocado na aula de natação na minha cidade. Quantas vezes cheguei em casa cansado de tanto nadar, pois eram horas e mais horas de treinamento. Penso até hoje que no fundo papai queria que eu fosse um nadador profissional. O mais proveitoso disso tudo, era que eu podia fica sozinho na lagoa sem que meus pais ficassem na minha cola. 
     Todo verão estávamos lá. Mamãe, papai e eu. Vovó nos recebia com muita alegria e preparava uma mesa de guloseimas que me deixava completamente sem fome para o almoço. Aquela lagoa era muito especial para mim. Muitas vezes brinquei dentro dela imaginando que eu fosse o rei daquele lago, e que os peixes que ali viviam seguiam as minhas ordens. Às vezes paro para pensar e fico sorrindo de mim mesmo de como minha mente era fértil. Ficávamos na casa da vovó por duas semanas, depois nós voltávamos para nossa cidade. Eu curtia cada minuto como se fosse o último. Por diversas vezes mamãe chegava na beira do pier gritando pelo meu nome, e se assustava toda vez que eu demorava emergir; pois como rei daquele lago; eu tinha por obrigação viver submerso. Ainda ouço ela dizendo:
     _ Lourenzzo, está na hora do almoço. - Então ela pausava e gritava novamente. - Onde está você menino? - E quando ela me via, olhava com uma expressão de seriedade e continuava. - Acho que você queria ser um peixe. Não se cansa da água não? - Se afastando continuava falando. - Vamos logo, estamos te esperando para almoçar.


     Quando eu tinha por volta de oito pra nove anos, a casa vizinha à casa da vovó que vivia desocupada, estava com visitantes. Uma família tinha se mudado para lá para se afastarem da vida corrida das grandes metrópoles. Pelo menos foi o que vovó me disse. Como de costume, corri para o pier, e antes de saltar no meu reino, avistei uma menina correndo para fora da propriedade. Desviei minha rota e fui correndo atrás dela. Antes que ela ultrapassasse a cerca que dividiam as duas casas eu gritei.
     _ Olá, quem é você? Não corre não, vamos brincar juntos! - Ainda correndo eu continuei. - Meu nome é Lourenzzo e o seu?
     A menina parou de frente para a cerca e se virou para mim. Com cuidado ela me avaliou dos pés à cabeça e com receio do que eu poderia dizer ou fazer, ela permaneceu imóvel e calada. Minha intensão era fazer uma nova amizade; e criança não tem cerimônia com as coisas; corri, peguei ela pela mão e sai arrastando-a até a beira do pier. Sentei na ponta e fiquei balançando os meus pés, enquanto ela me olhava de canto de olho. Olhei para ela e dei meu sorriso falhado; pois estava sem um dente; e falei com tom de brincadeira.
     _ Sente-se aqui comigo. Qual é seu nome?
     _ Clarice. - Ela falou em um som quase inaudível. 
     _ Qual? Não ouvi direito!
     _ Clarice. - Ela repetiu com a voz entre dentes.
     _ Clara? - Perguntei puxando ela para baixo.
     _ Não! - Disse ela gritando. - Meu nome é Clarice! Você está surdo?
     Dei uma gargalhada e olhei para a imensidão diante daquele lago.
     _ Está vendo isso tudo Clara? - Disse eu apontando para aquelas águas verdes. - Esse é meu reino!
     Ela me olhou com uma cara de surpresa e  não disse nada!
     _ Você não acredita que esse reino inteiro é meu?
     _ Não é isso! Seu reino faz fronteira com o meu. - Disse ela baixinho. - Estou surpresa que você insiste em me chamar de Clara.
     _ É mais fácil de chamar de Clara do que de Clarice. - Falei já mudando de assunto. - Posso conhecer o seu reino?
     _ Não! - Ela disse com voz firme. - Não antes que eu conheça o seu!
     _ Não seja por isso. - Arranquei minha blusa dizendo. - Vamos entrar no meu reino. - E dei um salto dentro da água.
     _ Eu preciso de ajuda! Não posso entrar no seu reino sem a sua companhia.
     _ Tudo bem senhorita Clarice! - Falei saindo da água e segurando ela pela mão.
     _ Me chame de Princesa Clara.
     _ Tudo bem princesa. Vamos entrar no meu reino, o Reino das Águas Verdes.
     Saltamos juntos na água. Eu segura Clara pela mão para que ela não se afogasse, pois ela não sabia nadar, e sozinha não conseguia ficar por cima da água. Brincamos o dia inteiro, não paramos nem para almoçar. Quando já era bem de tarde, a  mãe de Clara chamou por ela. Saímos do meu reino e a acompanhei até a fronteira que separava os dois reinos.
     _ Posso conhecer o seu reino agora?
     _ Amanhã. - Disse ela sorrindo e me olhando com os olhos azuis mais lindos que eu já havia visto.
     _ Tudo bem. Amanhã pela manhã estarei aqui te esperando para entrarmos no seu reino.
     Ela deu um beijo no meu rosto e saiu sem dizer mais nada. Fui para a casa da vovó, e chegando lá, fui direto para a cozinha. Peguei uma fatia de bolo de frutas vermelhas com raspas de chocolate na cobertura, e quando ia comer, papai aparece na porta.
     _ Pode parar rapazinho! Vai direto para o banheiro!
     _ Para que papai?
     _ Vá tomar seu banho.
     _ Tomei banho o dia inteiro.
     _ Anda logo garoto. Sem discussão. 
     _ Só vou comer esse pedaço de bolo.
     _ De jeito nenhum. Primeiro o banho. Depois o jantar.
     _ E o bolo? - Perguntei com uma expressão de piedade.
     _ O bolo você come depois de jantar. Será sua sobremesa. 
     Fiz o que meu pai mandou. Depois de comido três fatias daquele bolo delicioso, fui dormir. Eu estava muito cansado por ter brincado o dia inteiro.


     Era bem cedo quado eu esperava Clara na fronteira dos reinos. Ela demorou um pouco para aparecer, mas acabou aparecendo. Ela veio toda contente mandando que eu passasse para o outro lado da cerca e entrasse no seu reino. 
     O jardim da casa dela era muito bonito e grande. O reino da Clara era gigantesco. De acordo que nós íamos entrando, o lugar ficava cada vez mais bonito. Quando eu não esperava, Clara parou e me encarou. Não disse nada, apenas ficou me olhando. Eu sem entender o que estava acontecendo, rompi o silêncio que estava entre nós.
     _ O que foi Clara? Aconteceu alguma coisa?
     _Não! - Ela falou séria. - Posso confiar em você?
     _ Sim! Claro que pode. - Eu segurei na mão dela. - O que foi?
   _ A partir do momento que atravessarmos essa parte do jardim. - Dizia ela apontando para o arco formado pelo encontro das galhas de duas árvores. - Você entrará no meu reino. Tudo irá mudar. - Ainda séria ela continuou. - Você não pode contar para ninguém o que você verá aqui! - Cruzando os dois indicadores e dando um beijo ela continuou. - Jura que não contará para ninguém. Só poderá romper esse silêncio quando eu já estiver morta!
     _ Eu juro. - Disse sorrindo.
     _ Então vamos! - Disse ela me puxando pelo braço.
     Mesmo com a minha imaginação fértil de criança, eu jamais poderia imaginar que o que ela me falara fosse verdade. No exato momento que cruzamos o arco criado pelas galhas, minha visão ficou embaçada e muito turva. Achei que estava passando mal; porém; quando abri os olhos após esfregá-los com força; eu não acreditava no que eu estava vendo. Aquilo era muito real para a imaginação de uma criança. Algo realmente havia acontecido, e eu realmente estava no Reino da Clara. O jardim estava completamente diferente, e onde antes era a casa da Clarice, agora havia se transformado no Palácio da Princesa Clara. 
     Ainda assustado com aquilo tudo, permaneci calado, enquanto ela me encarava sorrindo. Segundos após o susto eu começava a acreditar nos meus olhos; nesse momento ela se virou novamente para mim e foi dizendo.
     _ Não esqueça do juramento.
     _ Não esquecerei.
     Andamos por todo o reino da princesa, e ela fazia questão de me mostrar tudo. Eu estava muito feliz por ter uma nova amiga e mais feliz ainda por ver com meus próprios olhos a imaginação tomar forma. A hora já estava bastante avançada, quando eu disse que teria que ir embora. Então Clara me convidou para participar de um banquete na casa dela. Afirmou que seria um belo jantar, e que vários animais estariam presentes. Aceitei, e aprendi a não duvidar mais no que ela me dizia. Eu estava em um reino verdadeiro, e Clara era mesmo a princesa daquele lugar.
     Finalmente entrei no palácio e me admirei com tanta beleza e riqueza. Havia muitos quartos e salas. Não consegui nem contar. Clara mandou que eu me assentasse em uma das gigantescas poltronas que tinha em uma das salas enquanto o baquete ficava pronto. Fiz o que ela me disse e acabei adormecendo. 


     Não sei exatamente quanto tempo eu havia dormido; acordei e tomei um baita susto quando uma lebre me cutucou e disse para mim que o jantar estava pronto e que o banque já estava posto. Muita coisa ali era estranha, porém eu já estava me acostumando. Fui em direção à copa quanto um gato me barra no meio do caminho e me diz que eu teria que mudar minhas roupas e vestir roupas reais, antes de me apresentar diante da princesa em trajes de gala. Eu aceitei de imediato e fui conduzido até um quarto completamente enfeitado.
     Vesti uma roupa que coube certinho em meu corpo franzino e magro. Era uma roupa de príncipe e naquele momento eu estava pronto para me apresentar à Princesa Clara. Fui novamente em direção à copa, mas dessa vez tive livre acesso. Meus olhos ficaram iluminados quando eu vi o banquete posto naquele lugar. Era lindo. Todo iluminado e cheio de deliciosas comidas. Alguns animais estavam assentados à mesa e se levantaram quando me aproximei e fui recebido de braços abertos pela princesa.
     Clara me abraçou e disse para eu me assentar. Me assentei e comi de tudo um pouco que havia ali. Eu tinha a sensação que teria que aproveitar ao máximo cada segundo. Depois de comer muito e me divertir bastante, eu disse que teria que ir embora para a casa da vovó. 
     A princesa foi me acompanhando, e quando passamos pelo arco das árvores; toda aquela magia se desfez. O jardim voltou ao normal; o palácio agora era uma casa novamente; e meus trajes que outrora foram reais, agora não passavam de roupas comuns. Fui acompanhado até a fronteira, e de lá fui para casa da vovó.


     Todos os dias Clara e eu nadávamos no meu reino pela manhã e íamos para o reino verdadeiro dela depois do almoço. Nos tornamos grandes amigos, e ninguém podia negar isso. Minha temporada na casa da vovó estava prestes do fim, e eu não queria nem imaginar quando chegasse o dia que eu deveria partir. Naquela tarde em especial, Clara me chamou para ir até o quarto dela. Quando entramos, elas assentou-se na cama e me disse:
     _ Descreve para mim o que você vê no meu quarto.
     _ Bem... vejo uma cama grande, um guarda roupas maior ainda. Janelas enormes e iluminadas. Cortinas brancas. Poltronas na cor carmesim e carpete no mesmo tom. Um papel de parede bem feminino e um cheiro de rosas delicioso. - Afirmei olhando para ela e esperando ela me dizer algo.
     _ Você também sentiu o cheiro das rosas?
     _ Senti! Por que? Não era pra sentir?
     _ Receio que não. - Ela falou com uma expressão de tristeza.
     _ Por qual motivo você ficou triste.
     _ Porque vejo tudo que você viu. Mas em minha cama, vejo muitas rosas brancas.
     _ Como assim? - Me assustei. - Não vejo rosas alguma.
     _ Tudo bem. - Ela desconversou. - Quero te entregar uma coisa.
     _ O que é? - Eu disse animado. - Pode me entregar.
     _ Não! Agora não. - Ela foi até a porta do quarto e a abriu. - Preciso ficar sozinha.
     _ Como assim? Fiz alguma coisa?
     _ Não meu amigo. - Ela deu um sorriso triste. - Apenas preciso que você vá e não se esqueça nunca de mim.
     _ Tudo bem. - Eu passei pela porta e continuei. - Até amanhã.
     Ela não disse nada, apenas fechou a porta e ficou quieta lá dentro. Eu fui para a casa da vovó, e assim que cheguei, mamãe e papai resolveram me levar para o parque. Brinquei muito, até bem tarde da noite. Só saímos de lá quando o parque fechou.
     Chegamos, eu olhei para a casa de Clara e percebi que tudo estava muito escuro, então fui direto para a cama. Durante a madrugada eu ouvi uma movimentação estranha dentro da casa da vovó, mas não quis me levantar para ver o que era. Eu estava muito cansado e queria estar bem disposto pela manhã para brincar com Clara. Antes que o sono me tomasse novamente, ouvi vovó dizendo alguma coisa embolada. Mas a única palavra que eu ouvi foi "morreu". Não dei muita importância e acabei apagando novamente.
     No outro dia pela manhã, nem mesmo comi nada e já fui direto para a casa de Clara. Chegando lá tudo estava fechado. Não havia ninguém. Esperei bastante para ver se ela aparecia, e nada. Voltei para a casa da vovó na hora do almoço emburrado; então papai perguntou o que eu tinha. Falei com ele que não havia visto a Clara a manhã toda e que nem tinha notícias dela. Nesse momento papai virou-se para mamãe dizendo.
     _ Devemos contar para ele?
     _ Não! - Disse minha mãe gritando desesperada.
     _ Contar o que? Eu quero saber. - Eu falei ficando de pé e olhando para meu pai e depois para minha mãe. - Não devem me contar o que?
     Vovó veio calmamente até mim, me segurou pelos braços e me conduziu até o sofá da sala. Depois que eu me assentei, ela assentou-se ao meu lado. Olhando no fundo dos meus olhos, ela disse bem devagar.
     _ Lorenzzo, meu querido. -Ela fez uma pausa além do normal. - Clara foi embora.
     Aquela notícia caiu como bomba em minha cabeça. Eu saí correndo para o píer e não olhei para trás. Não queria acreditar que minha amiga havia partido sem se despedir.
     _ Já sei! - Eu falei alto comigo mesmo. - Ela deve estar no reino dela.
     Eu saí correndo, atravessei a cerca, e parei de frente para o arco das árvores. Fechei os olhos e atravessei. Fiquei decepcionado quando abri meus olhos e nada havia mudado. Tudo estava do mesmo jeito. Então voltei arrasado para o píer e lá fiquei assentado.
     _ Não acredito que você partiu. - Eu falava sozinho. - Não se despediu e nem me deu algo para que eu me lembrasse de você.
     Quando eu menos esperava, senti o perfume de rosas. Olhando para dentro da lagoa, muito surpreso e tomado de uma alegria que só ela me fazia sentir, eu avistei... uma rosa branca na água.








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