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sábado, 27 de dezembro de 2014

Keiko

     Eu cresci em uma cidade de interior, e vivi a maior parte da minha infância na fazenda dos meus pais. De acordo em que os anos iam passando e eu ia me tornando um adolescente, meu pai resolveu me mandar para a capital para morar com minha avó Ana. Ele tinha em mente de que na cidade em que minha avó morava, eu teria estudos melhores do que a escola comunitária dos fazendeiros. Então eu parti. Me adaptei muito bem à cidade grande como diziam os fazendeiros, e descobri que ali, realmente era o meu lugar.
     Um dia de sábado acordei com o sol batendo em meu rosto. Seria um dia quente de verão, e pela pequena fresta aberta da cortina, o sol acariciava minha face como se me acordasse me dando um bom dia. Não era meu costume levantar cedo aos sábados; mas nesse dia; eu me levantei. Olhei no relógio do meu celular e vi que eram sete e quinze, e que do lado de fora da janela, havia um barulho incomum vindo da casa vazia ao lado. Fui até a janela e escancarei a cortina; abri sutilmente a janela e me deparei com a mais bela das moças. Uma descendente de oriental vestindo uma camiseta roxa colada no corpo, e uma mini saia branca. Eu nunca havia visto ela por ali; isso significava que eram os novos vizinhos se mudando. Continuei olhando discretamente, até que nossos olhares se cruzaram. Parece que o tempo parou nesse momento; mas só pareceu; pois enquanto meu coração disparava em meu peito, saltando como sambistas na avenida em dia de carnaval; para ela não foi nada, pois a danada simplesmente olhou e desviou o olhar. Tentando sair do meu transe temporário, peguei o celular e liguei para o meu amigo Thiago.
     _Fala Thiagão, fazendo o que de bom?
     _ Qual é Maurício, você já olhou no relógio? - Ele deu uma pausa esperando que eu fizesse o que ele tinha pedido. - Cara, agora são menos de oito horas! - Ouvi uma puxada de fôlego. - E você sabe que eu odeio acordar antes das oito no sábado! - Disse ele berrando. - O que eu fazia de bom? Eu dormia até você me acordar! - Ele concluiu  ainda aos gritos.
     _ Puts cara! Nem percebi que ainda estava tão cedo. Foi mal.
     _ Foi mal não, foi péssimo! Mas já que me acordou, diz ae o que você quer?!
     _ Ia te chamar pra fazer algo.
     _ Tipo o que?
     _ Não sei. Da uma sugestão ae. Você quer que eu pense em tudo?
     _ Oito horas começa a pelada dos meninos lá no campinho velho. - Eu ouvia um barulho de água no fundo da ligação. - Tá afim de bater bola hoje com eles? Já estou indo escovar os meus dentes!
     _ Formou então. Daqui a pouco passo ai e a gente vai juntos. 
     _ Beleza. Te espero então.
     Passei o resto do sábado fora, e só voltei de noite, por volta das vinte e trinta. Quando entro em casa, vejo a vizinha nova e mais um casal de orientais que eu julguei serem os seus pais. Dei boa noite para eles e ia passando direto, quando minha avó me fez voltar.
     _ Maurício, volte aqui e converse um pouco com os novos vizinhos. Que falta de modos sãos esses menino?
     _ Desculpa Vó Ana. - Eu disse todo sem graça quando percebi um leve sorriso no canto da boca da menina. - Eu ia tomar um banho. Estou sujo.
     _ Venha pelo menos dar um oi. - Disse Vó Ana com uma expressão séria.
     _ Olá para vocês. Me chamo Maurício, e me perdoe pela minha falta de educação.
     _ Olá Maurício, meu nome é Tamashiro, essa aqui ao meu lado é minha esposa Sakura. - Ele agora olhava para a filha. Eu estava mais que ansioso para ouvir o nome da ninfa do sol que roubara o meu sono pela manhã. E apontando para ela, ele continuou. - E essa é Keiko, minha filha.
     _ Prazer em conhecê-los. - Eu a encarava e me fazia de desinteressado para não dar bandeira. - Agora se me dão licença, vou tomar um banho. 
     Sai da sala e deixei eles conversando com minha avó Ana, e antes de entrar no meu quarto eu olhei para a sala, e vi que Keiko olhava para mim e mantinha um sorriso tão branco que ofuscou minha visão. Desconcertado, entrei para o meu quarto e não sai de lá até o outro dia.
     Os dias foram se passando e quando percebi já era sábado novamente. Mais uma vez eu acordara cedo. E eu já começava a estranhar aquilo, pois isso não era comum. Eu já ia me virar para o lado para tentar dormir mais um pouco, quando Vó Ana bate na porta do quarto.
     _ Maurício meu neto, acorde! 
     _ O que foi vó? Aconteceu alguma coisa?
     _ Não. Mas a vizinha está lá na sala querendo falar com você!
     _ Qual vizinha vó? Juliana? - Juliana era uma menina que eu pegava sempre que um ou outro ficava carente. Mas vó não sabia disso, ou pelo menos fingia não saber.
     _ Não menino. Estou falando da vizinha nova. Da garota que mudou para a casa do lado sábado passado.
     _ A senhora sabe o que ela quer?
     _ Não. Mas se quiser eu posso perguntar ou mandar ela ir embora e voltar depois.
     Antes que minha avó terminasse de falar eu já estava em pé vestindo uma bermuda, pois não poderia receber a vizinha só de cueca, assim como eu fazia com Juliana.
     _ Não vou ser mal educado vó. Diga a ela que já vou. Só vou escovar meus dentes.
     Escovei meus dentes o mais rápido que consegui e fui para sala encontrar com a minha linda vizinha. Ela não percebeu quando me aproximei, e em silêncio eu a observei pegar minhas fotos de infância que ficavam em cima do aparador, e dar sorrisos fofos de mulheres que gostam de bebês gordinhos e desajustados. Continuei observando mais um pouco, até me fazer notório.
     _ Olá Keiko! Tudo bem com você e família?
     _ Olá Maurício. - Disse a jovem descendente de oriental com um sorriso contido e tranquilo. - Espero não estar incomodando. - Ela se aproximou de mim e estendeu a mão para me saldar. - Está tudo bem sim comigo e minha família. Obrigada por perguntar.
     _ Está certo. - Fiz uma pausa média a encarando nos olhos, e então prossegui. - Em que posso lhe ajudar?
     _ Hum. - Ela permaneceu pensativa até expressar suas verdadeiras intenções. - A questão é a seguinte. - Ela respirou fundo e continuou sem rodeios. - Eu gosto muito de pintar telas de paisagens naturais, e fiquei sabendo que aqui perto tem um parque municipal com uma grande variedade de flores. Como eu não conheço bem a cidade, gostaria de saber se você pode me levar para conhecer?
     _ Posso sim! Você vai querer ir que horas?
     _ Gostaria de ir agora se você não se importar.
     _ Tudo bem para mim. Mas e seu material? Ele é muito pesado?
     _ Um pouco. - Ela disse sorrindo e me encarando. - Mas não se preocupe, meu pai vai nos levar até lá e nos trazer quando terminarmos.
     _ Ah bem! - Deixei escapar uma expressão de alívio. - Então vamos!
     Fomos para o parque, e passamos todo o dia por lá, não viemos nem para o almoço. Acabei descobrindo que Keiko levava jeito para a pintura. Talvez com um pouco mais de treino e técnica, ela se tornasse uma pintora renomada. Quando voltamos para casa, ficamos conversando na porta da casa dela por horas até o Sr. Tamashiro pedir que ela entrasse. Nos despedimos com um aperto de mãos e entramos.
     Nos dias que se seguiam, a gente ia cada um para sua escola, mas quando de noite, encontrávamos na frente da casa dela e ficávamos conversando por horas; até o pai dela aparecer na janela e chamá-la para dentro. Nos sábados íamos para o parque para que ela pudesse pintar; sendo o domingo o único dia em que não nos víamos porque ela passeava com os pais. E isso se tornou uma rotina. Estávamos muito ligados, mas o que eu sentia por ela era algo muito além de amizade; eu estava apaixonado por Keiko, e já havia decidido de que falaria com ela na festa de aniversário do Thiago; só aguardaria a melhor oportunidade.

     Eu curtia a festa de aniversário do meu amigo Thiago e aguardava ansioso pela chegada da Keiko; porém muitas horas mais tarde, percebi que a jovem oriental não iria aparecer. Quando eu ia embora, Juliana veio se esfregando em mim me querendo, e para não perder a festa e nem a oportunidade; levei-a para o quarto do Thiago, e fiquei com ela a noite toda. No outro dia pela manhã, acordei com uma ressaca louca; minha cabeça doía e girava como um peão. Levantei-me na ponta dos pés para não acordá-la. Olhei com cuidado pelo chão do quarto à procura de preservativos usados; mas para meu azar; eu não havia usado nenhum para ficar com ela. Sai do quarto e me deparei com Thiago só de cueca no sofá da sala, completamente desacordado. Nem tentei acordá-lo, apenas peguei minha carteira em cima da mesa de centro e fui para casa.
     Acredito que Keiko ficou sabendo que peguei Juliana, pois nos dias seguintes à festa, nossa rotina foi alterada; ela não quis mais falar comigo. E para meu azar, nos outros dias subsequentes, eu não a vi mais. Fiquei sabendo por meio de conversas em grupos de amigos, que Keiko havia ido para o Japão para passar uma temporada de seis meses fazendo cursos de pintura e estudando. Tentei não me abater, mas aquilo para mim foi um choque.

     Dois meses depois da partida de Keiko eu ainda não havia tido notícias dela; mas em compensação Juliana me noticiara de que desde a nossa última ficada; ela não tinha passado pelo seu período menstrual. Uma bomba pior que a nuclear fora jogado em minha cabeça, agora eu estava completamente sem rumo.

     Agora seis meses sem a Keiko; eu preparava para viajar para a fazenda dos meus pais, quando o carro do Sr. Tamashiro para e ele desce já descarregando algumas malas. Eu não dei muita confiança, e continuei colocando as minhas malas no taxi que me levaria para a rodoviária, até que ouço alguém dizer meu nome; eu  tremi ao reconhecer aquela voz. Então virei-me bruscamente e falei:
     _ Keiko!
     _ Olá Maurício! Como você está?
     _ Estou bem e você? 
     _ Estou bem também. Acabo de chegar de viajem. E pelo visto você está indo viajar também.
     _ É, vou sim. Estou indo ver meus pais na fazenda. - Respirei fundo, pensei um pouco e perguntei. - Por que você foi embora e sequer despediu de mim Keiko? Pensei que fôssemos amigos.
     _ Éramos. Na verdade eu não iria viajar, mas... - Ela hesitou por um tempo. - você ficou com a Juliana. Eu gostava de você. Você não deveria ter feito aquilo comigo.
     _ Eu te esperei na festa. - Falei de forma rude. - Mas você não foi!
     _ Pensei que você gostasse de mim.
     _ Eu gostava! - Afirmei com muita veemência.
     _ Não gostava não. Por que ficou com ela então? - Keiko deu um suspiro profundo e prosseguiu. - E pra piorar ela ficou grávida!
     _ Certo! Errei, e o que passou não volta mais. Perdi de ficar com você, e fiz besteira, mas o destino às vezes nos dá novas oportunidades. - Eu abaixei a cabeça e com pesar nas palavras continuei. - Juliana perdeu meu filho. Não fiquei feliz com isso, mas acho que de certa forma, foi melhor assim, pra ela e pra mim.
     _ Sinto muito. - Disse a oriental.
     _ É, eu também sinto. Sinto mesmo, por tudo! - Eu me virei em direção ao taxi e coloquei a última mala no bagageiro. - Agora me dê licença que tenho que ir!
     _ Não vá! - Foram as palavras mais doces que eu ouvi desde quando cheguei ali naquela cidade. E vindas de Keiko, as tornaram as melhores que eu poderia ouvir, até virem as próximas. - Fica comigo essa noite. Ainda quero você!
     Passamos a ficar com frequência, mas não assumíamos um namoro; apenas ficávamos. Ela me dizia que gostava muito de mim; que eu estar perto dela era suficiente; que eu trazia paz para o coração dela; que estarmos juntos era muito bom e que adorava quando eu ligava para ela. Eu estava meio enrolado com outra garota; ela sabia; mas não se importava; até que um dia eu descobri que ela havia ficado com outro cara, e com muita raiva eu questionei a razão dela ter feito aquilo comigo depois de tantas juras de sentimento; ela não se explicou, só pediu que eu parasse de ficar com a menina que eu ficava. Achei justo, e logo em seguida eu terminei todo o rolo que eu tinha com a outra garota. Agora estávamos bem. Continuávamos ficando; sem assumir um compromisso sério; mas ficávamos sempre. Para mim estava tudo ótimo, até eu descobrir que ela ficara novamente com outro cara. Irado, fui tirar satisfações.
     _ Como você diz gostar de mim, e fica com outros caras ainda estando comigo? - Perguntei com um peso no coração.
     _ Nós apenas ficamos Maurício. - Disse ela com muita calma. Não temos nada sério. Não me cobre nada como se eu estivesse errada. - Ela respirou fundo. - Não tente me fazer sentir culpa, pois não estou errada!
     _ E tudo o que você me disse? Era mentira?
     _ Não! Eu realmente gosto muito de você! Estar com você é especial. Quando fico com você, sei que tem algo a mais, e quando fiquei com outro cara, foi só por ficar!
     Eu segurei as lágrimas que tentaram sair dos meus olhos, virei-me de costas e sai sem olhar para trás! Cada passo que eu dava, eu carregava o peso de meu sofrimento, misturado com minha decepção. Ergui minha cabeça, mantive o meu resto de orgulho e hombridade, e sumi das vistas dela sem vacilar. Cheguei na casa de vó Ana, arrumei minhas coisas; expliquei a ela tudo o que havia acontecido e parti para a fazenda dos meus pais.

     Três anos havia se passado desde que eu tinha ido embora da casa de minha avó. E eu estava de volta àquela cidade para visitá-la, pois ela não estava muito bem de saúde. Parei com meu carro na porta da casa e desci; segui até a porta traseira do carro e antes de abri-la, uma jovem sai da casa de vó Ana e vem em minha direção com uma expressão de quem não estava crendo no que via. Sem perder tempo, ela já veio conversando comigo.
     _ Maurício, como você mudou, está mais belo, está mais homem! - Ela sorriu. - Que bom revê-lo! 
     _ Olá Keiko! - Falei sem esboçar sentimento. - Eu cresci e amadureci. As lições da vida nos ensinam coisas que carregamos até o final dela. Sou outra pessoa!
     _ Eu também aprendi muito. Mudei muito também, principalmente depois que você partiu! - Ela veio até mim e segurou a minha mão. - Não tive notícias suas. Ninguém me falava nada de você.
     _ Eu sei! Eu pedi isso para as pessoas que eu conversava. - Conversei puxando minha mão da mão dela.
     _ Me perdoe por ter feito isso com você! - Ela disse abaixando a cabeça. - Espero que o nome Keiko não te traga maus sentimentos.
     _ Não se preocupe com isso! Esse nome me traz muito amor no coração.
     Ela deu um sorriso, pegou minha mão novamente e aproximou seu rosto do meu, quase que me beijando.
     _ Eu ainda gosto muito de você! Desde que você partiu eu espero você voltar! - Ela olhou nos meus olhos e prosseguiu. - Maurício, vamos ficar juntos pra nunca mais separar?!
     Eu ainda segurava a mão dela, e olhando no fundo de seus olhos, eu continuei.
     _ Eu sempre amarei uma Keiko! E ninguém vai mudar isso. Vou carregar esse amor comigo até eu morrer. - Eu respirei fundo. - Mas não posso ficar com você.
     _ Não pode ficar comigo por qual motivo?
     _ Quero te apresentar uma pessoa muito especial. - Eu abri a porta do carro e mostrei uma linda criança sentada em uma cadeirinha, aguardando pacientemente o momento de ser retirada dali. - Essa é minha filha, ela tem um ano e meio.
     _ Qual é o nome dela?
     _ Keiko! O nome dela é Keiko!




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quinta-feira, 3 de julho de 2014

Precisa-se de Um Coração

          Hoje estou muito contente; pois após dois anos morando e me especializando em medicina na cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos; finalmente estou voltando para casa. Há poucos minutos foi anunciado o portão de embarque para o Brasil, e é para aonde estou seguindo agora. Não vejo a hora de rever minha família e alguns poucos amigos.
     Após algumas horas de viajem, cheguei a meu país. A principio estou indo para a casa dos meus pais, até que tudo se acerte. Amanhã mesmo vou começar a mandar currículos para todos os hospitais dessa cidade; pois estou com muita vontade de começar a exercer a minha profissão de médico; mas enquanto isso; vou curtir a festa de boas vindas que meus pais prepararam para mim.
     Depois de ter sido recebido com muita alegria pelos meus pais e amigos, vou dormir para descansar e poder começar a procurar emprego. Espero que após me formar em medicina; arranjar emprego; seja bem mais fácil. Após deitar na minha antiga cama; apaguei; parecia até que eu tinha um botão de ligar e desligar. Quando era por volta das sete e meia, minha mãe levantara e começara a fazer o café; pois quando fora oito horas, senti o aroma do delicioso café que só minha mãe fazia. Então me levantei, tomei um banho, vesti uma roupa e desci do meu quarto para tomar café. Fiquei algum tempo ali conversando com meus pais, até eu tomar a iniciativa de ir para o computador mandar meus currículos. Voltei para o meu quarto e só sai de lá depois de uma hora enviando e-mails com meus currículos anexados para os hospitais da cidade. Eu tinha esperança de receber uma resposta logo; mas meu maior desejo era de ser contratado pelo hospital mais importante da cidade, o famoso Hospital Vitalys.
     Os dias foram passando, e eu não havia recebido nenhum retorno, e isso já começava a me deixar preocupado. Volta e meia eu ia até o computador checar meus e-mails; mas ainda não tinha resposta alguma. Eu começava a ficar deprimido, quando Jonathan; meu amigo de infância; convidou-me para dar uma volta no shopping para ver algumas gatinhas. Ele estava com vinte e sete anos e eu era dois anos mais velho que ele; sempre fomos bons amigos, e agora voltávamos a nos reaproximar depois de dois anos conversando pela internet.
     _ Fala brother, como você está? - Volta e meia eu me pegava colocando palavras em inglês no meio de minhas conversas. Acho que acabei me acostumando com a língua americana. - Veio fazer o que aqui?
     _ E ae mano. Vim te chamar para azarar umas minas no shopping. La ta cheio delas, e tem muita mina top dando mole por lá.
     _ Moço, fiquei com umas estudantes americanas, mas prefiro mesmo as brasileiras. Vamos lá então.
     Jonathan e eu partimos para o shopping no carro da mãe dele; e não demorou muito, já estávamos andando, olhando para as lojas e encarando as meninas. O meu amigo trabalhava em uma joalheria com a mãe dele, mas naquele dia, ele havia pegado um dia de folga para sair comigo. Nós paramos em uma área de alimentação, pedimos um sanduíche para cada e aguardamos o lanche ficar pronto. Enquanto isso duas lindas garotas assentaram-se na nossa frente e ficaram nos encarando de maneira discreta e disfarçada. Jonathan como era mais desinibido do que eu, levantou-se, foi até a mesa das meninas e se apresentou para elas. A garota que me encarava; ele deixou para que eu conversasse com ela; a outra ele começou a conversar. Depois de algum tempo de conversa e após ter comido nossos sanduíches, meu amigo saiu para uma área mais reservada com a garota que ele conversava. Fiz o mesmo; segui com minha garota até a área do cinema; que no momento estava sem sessão; e dei uns amassos nela, até que chegou um segurança e pediu que a gente parasse com aquilo. O celular dela vibrou, e quando ela atendeu, era a amiga perguntando onde ela estava. Jonathan havia convencido as garotas de ir para a casa dele, pois não havia ninguém lá naquela hora. Tudo estava indo muito bem, eu estava prestes a dar uns belos amassos em uma linda loira brasileira. Descíamos a escada rolante, quando um movimento estranho acontecia um pouco à frente.
     _ Socorro! - Alguém gritava alto e de forma desesperada. - Socorro. Liguem para a emergência.
     Eu comecei a andar mais rápido indo na direção do pedido de socorro. Enquanto os gritos aumentavam.
     _ Socorro. Pelo amor de Deus, alguém liga pra emergência. - Uma voz feminina gritava aos prantos. - Alguém ajude minha mãe, ela está morrendo.
     Quando eu ouvi a palavra morrendo, algo me impulsionou a correr ao encontro daquele pedido de socorro. Havia uma multidão em volta de quem pedia socorro, e eu não conseguia identificar qual era a situação da pessoa que estava precisando de socorro; eu tentava passar, mas ninguém dava passagem; de repente não vi outra opção se não gritar.
     _ Deem-me licença, eu sou médico! - Parece que eu acabara de dizer palavras mágicas como "abre dicésamo". Pois se formou um corredor do ponto onde eu estava até uma mulher mais madura caída no chão, com a cabeça no colo de uma jovem. - Faz quanto tempo que ela está assim? - Perguntei para a garota enquanto eu me aproximava.
     _ Ela estava andando comigo há um minuto, e de repente caiu. - Ela me olhava com um olhar de clemência. - Ajude minha mãe, por favor!
     Eu pedi que o pessoal se afastasse; verifiquei a pulsação e a respiração dela, e notei de imediato que ela respirava, mas o coração não batia. Pra mim era evidente de que aquela senhora tivera uma parada cardíaca. Eu ajeitei o corpo dela, deixando-o com as costas paralelas ao chão; folguei um pouco a roupa; posicionei-me na lateral do corpo dela e comecei a fazer massagens cardíacas de forma rápida e cadenciada. Todos me observavam apreensivos, inclusive a garota que não piscava na expectativa de que tudo desse certo. Após algumas massagens e verificações para saber se o procedimento havia dado resultado; finalmente o coração dela voltara a bater. Quando eu verifiquei a pulsação e vi que ela estava de volta, eu olhei para a garota e sorri.
     _ Qual é o seu nome e o nome de sua mãe?
     _ Meu nome é Fernanda e o da minha mãe é Angelina. - Ela respondia com uma tristeza no olhar. - Como está minha mãe?
     _ O coração está batendo novamente. - Eu olhei em volta, coloquei-me de pé e perguntei para as pessoas que me olhavam. - Alguém ligou para a emergência? - E imediatamente um homem respondeu que já haviam chamado, e que eles já estavam chegando.
     Eu acabara de questionar, e enfermeiros do SAMU chegavam com materiais para socorros e maca. Quando eles se aproximaram, eu os informava do ocorrido e do que eu fizera, enquanto eles verificavam a pulsação de Angelina. Depois que ela estava na maca, e pronta para ser levada ao hospital, o enfermeiro perguntou para Fernanda.
     _ Você quer que a levemos para a emergência ou para algum hospital de sua preferência? - Ele nem esperou a resposta e continuou. - Ou prefere que levemos para o hospital do seu amigo ai? Pois se não fosse ele, provavelmente sua mãe não estaria mais viva.
     _ Levem-na para o Hospital Vitalys. - Ela disse sem pensar duas vezes. - Meu pai é o diretor clinico desse hospital, além de ser cardiologista. - Ela virou-se para mim e sorriu. - Qual é seu nome mesmo? O doutor trabalha em qual hospital?
     _ Meu nome é Samuel, e acabo de chegar dos Estados Unidos; por isso não estou trabalhando em nenhum hospital por enquanto.
    _ Eu gostaria de anotar o telefone do senhor Dr. Samuel, pois com toda certeza meu pai vai querer agradecê-lo por ter salvado a vida de minha mãe.
     _ No momento estou sem celular. O meu dos Estados Unidos não funciona aqui, mas você pode ligar para o telefone fixo da casa de minha mãe, ou pedir seu pai que me responda por e-mail. Eu mandei um e-mail para o hospital com meu currículo.
     _ Então está certo! Meu pai entrará em contato.
     O povo me olhava e me aplaudia enquanto eu me afastava. Eu me sentia como um herói; e era assim que as pessoas ali presentes estavam me tratando. Procurei por Jonathan e as garotas, mas infelizmente só encontrei  o meu amigo; as meninas havia ido embora. Meu amigo e eu fomos embora, e em pouco tempo ele me deixava na porta da casa de minha mãe. Assim que entrei em casa, fui direto para o computador verificar meus e-mails, e para minha surpresa havia um retorno. Olhei o e-mail com cuidado; nele havia um agendamento de entrevista para ocupar a vaga de médico assistente. Respondi confirmando e aguardei o horário para ser entrevistado.
   
     Dois anos havia se passado e eu trabalhava como médico responsável pela ala de urgências e emergências. Era evidente que aquela ala não era bem o local que eu queria estar trabalhando, mas eram dali que eu tirava o dinheiro para pagar as minhas contas, as prestações do meu carro e meu apartamento. Nos últimos dias eu estava avaliando a possibilidade de alugar uma sala para montar o meu consultório particular, mas se eu fizesse isso, seria um risco que eu estaria correndo; pois com o aluguel de uma sala, mais os móveis e materiais necessários para montar o consultório; comprometeria mais de cem por cento o meu orçamento mensal; por isso eu teria que pensar muito bem no que fazer e qual decisão seria a mais acertada.
     Eu acabara de assumir o plantão, quando uma senhora trazida pelo SAMU adentrava no hospital com parada cardíaca. Imediatamente fui ao socorro daquela senhora. Assim que eu a avistei, uma lembrança remota tomou toda a minha atenção por alguns segundos; tempo suficiente de um enfermeiro me chamar.
     _ Dr. Samuel, o senhor não vai fazer nada?
     _ Vou sim! - Eu respondi voltando a mim e verificando a pulsação daquela mulher. - Preparem o desfibrilador. Ela está sem batimentos cardíacos. - Eu concluía retomando a lembrança daquela mesma senhora tendo uma parada em pleno shopping ao lado da filha. Filha esta que havia prometido um retorno do pai dela, que nunca houve. Hoje aquela mulher estava sozinha, mas o nome dela ainda estava em minha mente. Eu tenho plena convicção de que aquela mulher se chamava Angelina.
     Fiz os procedimentos necessários para salvar a vida daquela mulher; com ajuda divina e um bocado de experiência, conseguimos fazer aquele coração cansado voltar a bater. Como precaução deixamos Angelina de observação e ligada a alguns aparelhos de monitoramento. Pedi a assistente social para avisar a família, e quando eu ia sair do quarto da paciente, ela abriu os olhos e me olhou fixamente.
     _ Onde estou? - Ela perguntou com muita dificuldade. - Como eu vim parar aqui?
     _ Olá Angelina. Eu sou o Dr. Samuel. - Eu me aproximava dela enquanto ela me encarava fazendo uma expressão de reconhecimento. - A senhora passou mal, e foi trazida para este hospital pela ambulância do SAMU. Fui eu quem a socorreu.
     _ O que eu tive? - Ela mal conseguia falar.
     _ A senhora não deve fazer esforços. Descanse, pois sua família foi avisada, e logo estarão aqui para conversar com a senhora. - Eu pausei. - Mas respondendo a sua pergunta, a senhora chegou aqui com parada cardíaca.
     _ Se não estou enganada, foi o doutor que me socorreu uma vez no shopping. Estou certa?
     _ Sim, está!
     _ O meu marido nunca voltou para agradecê-lo. Sinto-me até envergonhada com isso.
     _ Não fique assim. Fiz um juramento de salvar vidas. Seu marido nunca me deveu nada. Fiz o que deveria ser feito. - Eu olhei com paciência para ela, e então falei. - A senhora terá que fazer alguns exames. Sou especialista em cardiologia como o marido da senhora. Então acredito que assim que ele ver os pedidos de exame que eu exigi, logo saberá a importância de fazê-los.
     _ Eu acredito que já tenha feito esses exames por esses últimos dias, estamos aguardando o resultado.
     _ Tudo bem. Agora descanse. Volto mais tarde para avaliá-la.
     Novamente quando eu ia saindo, a porta do quarto se abriu; um homem acompanhado de enfermeiros e uma maca entraram e sequer me olharam; logo em seguida uma jovem entrou. Eu a reconheci imediatamente, ela era a filha de Angelina. Ela passou por mim me encarando e deu um leve sorriso sem graça; não disse nada; apenas passou e se aproximou da mãe. Logo em seguida o diretor clinico do hospital entrou no quarto, me saudou e se aproximou do senhor que entrara com os enfermeiros.
     _ Dr. Borges, esse aqui é o Dr. Samuel. - Ele esperou que apertássemos as mãos. - Foi ele quem socorreu a sua esposa.
     _ Pela segunda vez. - Disse Angelina interrompendo o diretor clinico. - Ele é o médico que me socorreu no shopping alguns anos atrás. 
     O marido dela não dera muita confiança, e observava o diretor clinico falando.
     _ Dr. Samuel, o Dr. Borges veio buscar a esposa para levar para o hospital que ele comanda. Os papéis de transferência estão quase prontos; como você é o médico responsável pelo caso dela; precisamos apenas da sua liberação.
     _ Eu não posso liberá-la nessas condições. Se eu fizer isso, estarei colocando a vida de minha paciente em risco.
     _ Ela é minha paciente. - Disse o esposo de Angelina um pouco nervoso.
     _ Enquanto ela estiver nesse hospital. - Eu respirei fundo antes de continuar. - Ela é minha paciente.
     _ É por isso que estou indo levá-la daqui.
     _ Tudo bem! - Eu falei com muita tranqüilidade. - Você pode assinar um documento no qual você se responsabiliza por qualquer eventualidade que acontecer com ela. Após isso, você pode levá-la quando quiser.
     _ Você é insolente. - Disse Dr. Borges. - Mas isso mostra que você é cuidadoso com seus pacientes. - Ele virou-se para o diretor. - Onde está esse documento? Traga logo, vou assiná-lo e levar Angelina daqui.
     O diretor ia saindo, quando Angelina falou alto.
     _ Eu só saio desse hospital se você contratar o Dr. Samuel. - Ela aguardou um pouco quando viu a reação de surpresa de todos os presentes. - Ele me salvou duas vezes, e só continuo o meu tratamento, se o Dr. Samuel fizer parte do corpo de funcionários do Hospital Vitalys.
     Eu tomei um susto com o que Angelina acabara de falar. De repente eu vi a oportunidade de trabalhar no hospital dos meus sonhos. Eu me mantive calmo e calado, enquanto Dr. Borges conversava afastado com o diretor do hospital que eu trabalhava. A filha de Angelina e Dr. Borges ficava de longe observando tudo. Eu resolvi não esperar mais para ver no que aquela conversa iria dar, então passei por eles e sai do quarto. Eu segui diretamente para a minha sala na emergência; pois deveria começar a atender os pacientes que aguardavam com certa impaciência. Logo de cara atendi um senhor de setenta e seis anos com pressão alta, e após ministrar o medicamento, orientei a enfermeira que o deixasse de observação por cerca de duas horas. O próximo paciente foi uma mulher de trinta e nove anos; ela queixava-se de dor nas costas, e após verificação visual e apalpar o local, não notei fraturas, mas para resguardar a vida da paciente e minha segurança, pedi um exame de raio-x da coluna. Vieram vários outros casos simples e sem complicação nenhuma; porém quando eu estava prestes a largar o meu plantão, surgiu uma paciente de vinte e sete anos dando entrada com crises convulsivas. Aguardamos a crise cessar tomando os devidos cuidados para que ela não se ferisse. Verificamos o histórico da paciente com o namorado que a acompanhava, e constatamos que era comum ela ter crises de vez em quando. Pedi à enfermeira que ministrasse o medicamento, e deixei uma guia de encaminhamento para o neurologista do hospital. Antes de ir embora passei no quarto onde Angelina estava, mas o quarto estava vazio; ela havia sido transferida e eu não soubera do resultado daquela conversa. Fui embora para meu apartamento; tomei um banho; fiz um macarrão com molho de carne e milho, e jantei. Eu estava indo dormir, pois estaria novamente de plantão no outro dia logo pela manhã, quando resolvo olhar meus e-mails. Logo no início da página, havia um e-mail do Hospital Vitalys, e quando abri, eu não entendi muito bem ao certo o que ele queria dizer. Nele pedia que eu comparecesse no Hospital Vitalys às quatorze horas do dia seguinte, mas isso seria impossível, pois eu estria trabalhando. Fechei o e-mail e fui dormir. No dia seguinte bem cedo, eu chegava ao hospital para assumir o plantão, quando outro médico; colega meu; passou por mim.
     _ E ae Samuel, fiquei feliz por você cara. - Ele sorria. - Só não gostei de saber que eu que teria que cobrir o seu plantão. Estarei aqui trabalhando hoje, amanhã e depois.
     _ Como assim? - Perguntei sem entender do que ele falava. - Você está falando de que? Feliz pelo que? Por que vai cobrir o meu plantão se eu estou aqui?
     _ Luíza do setor pessoal está querendo falar com você! - Ele começou a se afastar. - Agora me dê licença que tenho que assumir o plantão. Você viu o inferno que esta lá fora né?
     Ainda sem entender o que estava acontecendo, fui até a sala do setor pessoal. Bati na porta e entrei. Luíza olhou para mim por de traz de uns óculos fundo de garrafa já dizendo.
     _ Dr. Samuel, preciso que assine sua demissão!
     _ Demissão? - Eu falei quase gritando. Na minha mente veio de imediato as parcelas do carro e do apartamento que ainda faltavam quitar. - Como assim, demissão? Fui demitido por qual razão?
     _ Não sei bem, o diretor só mandou agilizar os papéis. - Ela ajeitou os óculos e continuou. - Mas dizem as más línguas, que foi a pedido do Dr. Borges; o diretor clinico do Hospital Vitalys; eles falam que foi por causa da sua discussão com ele ontem.
     _ Tudo bem! Em qual local eu assino?
     Depois que assinei minha demissão, eu saí furioso do hospital e fui diretamente ao Hospital Vitalys para tirar satisfação com o Dr. Borges. Assim que cheguei ao meu destino, fui até a recepção e falei com a recepcionista.
     _ Bom dia!
     _ Bom dia! - Ela respondeu com uma voz calma e meiga.
     _ Eu gostaria de falar com o Dr. Borges.
     _ O senhor tem horário marcado?
     _ Não!
     _ Aguarde um minuto que vou ligar para a secretária dele para ver se ele pode atendê-lo agora.
     _ Obrigado! - Agradeci segurando a minha raiva.
     _ Qual é o nome do senhor?
     _ Samuel! Meu nome é Samuel - Antes que ela falasse com a secretária do médico, eu continuei. - Avise a ela que só vou sair daqui depois que ele me receber.
     _ O senhor é Dr. Samuel?
     _ Sim, sou eu.
     _ O senhor pode seguir diretamente para a sala do setor pessoal. Fica no segundo andar; só pegar o elevador e virar à esquerda; é a terceira sala com a porta verde. A funcionária já o aguarda.
     Eu não entendia bem o que estava acontecendo, mas fiz o que me instruíram. Chegando ao setor pessoal havia uma placa mandando entrar sem bater na porta, e assim eu fiz. Havia uma linda loira atrás de uma grande mesa cheia de papéis. Ela me olhou de cima abaixo me avaliando, e então começou a dizer.
     _ O senhor é novo. Eu imaginava alguém mais velho. - Ela apontou a cadeira para eu assentar. - Eu aguardava o senhor só depois das quatorze horas, mas é bom que eu adianto isso logo.
     _ Adiantar o que? - Perguntei confuso.
     _O senhor está de brincadeira né? - Ela perguntou com uma expressão séria.
     _ Nunca falei tão sério. Nem sei o que faço aqui.
     _ Deixe de brincadeira e assine logo sua admissão. - Ela colocou-se de pé. - Vai assinando ai que volto logo, mas desde já te dou as boas vindas. - Ela apertou minha mão e saiu da sala.
     _ Admissão? Boas vindas? Como assim? - Eu falava sozinho, pois a funcionária havia saído da sala.
     Como eu estava desempregado, com prestações de carro e apartamento para pagar, e com uma atenuante de que aquele era o hospital que eu sempre sonhara em trabalhar; assinei o contrato de admissão sem falar mais uma palavra. Antes que eu colocasse a caneta na mesa, a funcionária adentrou ao recinto me encarando.
     _ Já assinou?
     _ Sim!
     _ Deixe-me dar uma olhada para ver se está tudo certo! - Ela avaliava o documento com cuidado e fazia uma expressão de concentração. - Hum! Está tudo certo! - Ela ergueu a mão direita em minha direção e continuou. - Mais uma vez. - Ela pausou e esperou eu apertar a mão dela. - Seja bem vindo! - Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, ela pegou o telefone, discou poucos números; que supus ser ramal; e falou. - Venha até minha sala para acompanhar o novo médico do hospital no reconhecimento do seu novo ambiente de trabalho. - Ela concluiu desligando o telefone.
     Segundos depois, um enfermeiro adentrou na sala e me chamou. Olhei no crachá pendurado no pescoço dele, e confirmei ser o enfermeiro chefe da ala de emergência. Uma sensação ruim me passou pela espinha; eu tive o leve receio de que eu iria trabalhar na ala de urgências e emergências. Minhas suspeitas não demoraram muito para se confirmar, pois o enfermeiro chefe me levara para conhecer justamente a ala que eu havia temido. Isso não era tudo, eu deveria começar a trabalhar imediatamente, pois o médico que cuidava daquela ala, havia sido mandado embora.


     Já havia dois meses que eu trabalhava no mesmo setor, e aquilo não era bem o meu sonho. Eu queria mesmo assumir um local mais específico no hospital e poder ter salário o suficiente para abrir meu consultório. Era certo de que eu não estava satisfeito, e para piorar descobri por fofocas que o Dr. Borges; o diretor clínico do hospital; não ia com minha cara. Resumindo, eu estava ferrado. Meio sem querer, querendo, eu andei espiando os exames de Angelina, e pude descobrir que ela precisava de um transplante de coração. E isso foi o mais próximo que pude chegar de um caso no qual eu era especialista.
     Um dia qualquer, eu ia entrando no hospital, quando Angelina passa na maca seguindo com urgência para o CTI. Ela não estava bem, e parecia que ela não duraria por mais tempo. Horas mais tarde eu dei uma passada para avaliar o estado dela, e pude vê-la ligada a vários aparelhos que ajudavam a mantê-la viva. Claro que aquilo era provisório, mas era o que eles podiam fazer no momento.
     Dois dias depois eu estava prestes a sair do hospital, quando vejo uma correria louca. Enfermeiros corriam de um lado para o outro, e vários recepcionistas ao telefone tentando completar uma ligação que nunca dava certo. Uma televisão na recepção começava anunciar um acidente que ocorrera próximo ao hospital, e que as ruas estavam interditadas. Imaginei que a correria seria por causa do acidente, até que ouvi alguém dizer.
     _ Não adianta, não consigo falar com o Dr. Borges.
     _ E nem eu consigo falar com o Dr. Ricardo.
     O Dr. Ricardo em questão era o cardiologista que havia saído do hospital meia hora antes do acidente ocorrer e atrapalhar o trânsito. Ele havia largado o plantão assim como todos que trabalharam no mesmo horário que o meu. Eu também não deveria estar ali, mas levei mais tempo que o normal para concluir os meus relatórios de atendimento e acabei me atrasando. Procurei saber o motivo de tanta correria e a tentativa de localizar os dois mais importantes cardiologistas do hospital. Só então tive a notícia que havia um coração chegando de helicóptero ao hospital para Angelina e não havia nenhum cardiologista para fazer o trasplante. Era quase certo de que os dois médicos que eles tentavam localizar, estavam presos no trânsito.
     _ Angelina vai acabar perdendo esse coração, pois aqui não há médico preparado para fazer essa cirurgia. - Dizia uma enfermeira.
     _ O coração acaba de chagar no hospital. - Falou um enfermeiro.
     Pude ver a equipe que acompanhava o coração chegando apressados e seguindo diretamente para a sala operação. A equipe preparada para a cirurgia, Angelina e o coração já estavam na sala; só faltava o cardiologista. De longe ouvi alguém falando alto, quase gritando.
     _ Não há nenhum cardiologista no hospital? - Ele falava ainda mais alto. - Vocês estão loucos?
     Me apressei em direção a essa voz e percebi que era o Diretor Administrativo conversando com outro médico. Antes que o médico pudesse dizer qualquer coisa, eu intervi.
     _ Sou cardiologista! - Respirei fundo. - Trabalho na ala de urgência e emergência. Acabei de largar o plantão.
     _ Então você deve seguir imediatamente para a sala de operações! - Disse o diretor com total veemência.
     _ Eu sou especialista em cardiologia, mas ainda não tive oportunidade de fazer uma cirurgia dessa magnitude.
     _ Não importa! - Disse o diretor administrativo. - A vida de Angelina está nas suas mãos.
     Segui para a sala de operações e comecei a realizar o transplante.


     Longas horas depois, tudo estava certo, e Angelina estava com seu novo coração batendo no peito. O trânsito havia sido liberado e Dr. Borges chegava no hospital. Ele soube de tudo que ocorreu e analisou cada relatório, além de verificar o estado de saúde de sua esposa. Eu seguia para a saída do hospital, quando o Dr. Borges me chamou.
     _ Dr. Samuel.
     Olhei com muita calma e tranquilidade, mas não disse uma palavra.
     _ Pela terceira vez você salvou a vida de minha esposa. - Ele pausou e eu continuei calado. - Eu luto em tentar fazer vista grossa a respeito dos dois socorros anteriores, mas as circunstâncias relutam em me fazer enxergar, que preciso de você nesse hospital trabalhando ao meu lado!
     _ O senhor quer chegar aonde com esse discurso? - Eu disse com voz seca.
     _ O senhor teria todos os motivos do mundo para ter deixado minha esposa sem o transplante, ainda mais depois de tudo que aconteceu; mas não, você preferiu honrar com seu juramento de salvar vidas.
     _ Não fiz isso pelo senhor! - Eu falei com uma expressão bem séria. - Fiz pela Angelina! - Pausei. - Aliás Dr. Borges, amanhã venho assinar minha demissão. Não quero ficar nem mais um minuto nesse hospital!
     _ Eu entendo sua revolta. Mas peço que avalie minha proposta antes de assinar sua demissão.
     _ Qual proposta?
     _ Se você ficar no hospital, você será o Cardiologista Chefe. Terá uma remuneração quatro vezes maior do que a que você recebe atualmente.
     Eu sorri discretamente. Então ele me fez mais uma pergunta.
     _ Você precisa de algum tempo para pensar? Precisa de alguma coisa?
     _ Eu estou igual Angelina! - Respondi sorrindo.
     _ Como assim? - Perguntou o Dr. Borges.
     _ Eu aceito! Não preciso pensar, assim como Angelina não precisa mais dizer: "Precisa-se de um coração."



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quinta-feira, 1 de maio de 2014

A Face do Tempo

     Às vezes me pergunto que se eu tivesse uma segunda chance de fazer as escolhas mais importantes de minha vida, se eu tomaria decisões diferentes. Muitas coisas que já me aconteceram foram resultados de escolhas que eu fiz, e poder mudar isso, seria um presente dos céus.


     Ola, peço perdão pela minha falta de educação; pois fui conversando e não me apresentei. Meu nome é Matheus tenho oitenta e nove anos, sou aposentado e moro sozinho em um sitio afastado de uma pequena cidade no interior do estado de Minas Gerais. Muitos me perguntam o motivo que eu acabei ficando sozinho nessa vida, mas não gosto nada de falar sobre esse assunto. Então peço licença, porque tenho que sair um pouco dessa casa fria e vazia, e dar uma volta na cidade para poder ver algumas pessoas; pois uma vez na semana vou até à cidade para fazer compras e acabo o meu passeio me assentando em um banco que fica de frente para supermercado.


     Um dia desses; após feito as compras da semana, eu seguia para o banco em frente ao supermercado, e para a minha surpresa, havia um homem também idoso, assentado no lugar onde somente eu costumava me assentar. Aproximei-me com cuidado o encarando; ele por sua vez, nem sequer me olhou. Assentei-me no banco e permaneci calado, já que ele não havia me olhado. Assim que eu me ajeitei no banco, aquele senhor me encarou com uma expressão séria, e me disse friamente.
     _ Tem alguma coisa em sua vida que você se arrepende?
     Eu ainda um pouco assustado com a pergunta dele, respondi com certo receio.
     _ Sim! Acredito que todo ser humano tenha arrependimento de alguma coisa que fez em sua vida. - Eu parei de falar; respirei um pouco; olhei em volta, e só então continuei. - Eu mesmo me arrependo de algumas decisões que tomei, e se eu tivesse uma segunda chance, eu mudaria muita coisa.
     Aquele senhor me olhou nos olhos, deu um sorriso seco, e então me segurou pelo pulso. Naquele momento eu senti uma tonteira, e quando voltei a mim; percebi que eu não tinha mais oitenta e nove anos, mas estava novamente com oito anos, e encontrava-me na casa de minha avó materna; especificamente em um dia que algo muito ruim aconteceu. Naquele dia em especial, eu havia desobedecido a minha avó, e devido esse fato, ela havia me dado umas palmadas na bunda. Antes que eu fosse embora, minha avó chegou perto de mim e me pediu um beijo; devido minha pirraça, eu não a beijei; pelo contrário; fui embora resmungando. Quando foi mais tarde, já de noite, minha mãe recebeu uma ligação dizendo que minha avó havia falecido. Ela falecera sem que eu pudesse beijá-la. Essa lembrança existia em mim, e me remoía todos os dias de minha vida, mas eu estava de volta na casa da vovó com oito anos, e poderia mudar definitivamente aquela historia. Corri para o colo da minha linda avó e a enchi de beijos. Ela não entendeu nada, mas o sentimento ruim que me corroía todos os dias, desaparecera subitamente. Naquela noite, vovó partiu desse mundo, mas eu não sofria mais com aquilo, e isso de certa forma me deixara feliz.
     Minha visão voltara a ficar turva, e quando tudo ficou normal, eu percebi que tinha vinte e três anos e estava em outra cidade; exatamente na república que eu morava antes de largar a faculdade de medicina. Meu futuro havia mudado drasticamente depois de ter perdido a oportunidade de ser médico; sabendo disso; terminei minha faculdade e me tornei um médico brilhante; o melhor do meu estado para ser mais exato.
     Após me recuperar de uma tonteira, eu me vi com trinta anos, no altar da igreja, de frente para um padre e ao lado de Isabela, a mulher que eu escolhera pra ser minha esposa. Essa decisão eu não mudei. Então eu tive minha filha Mônica, e morávamos em uma luxuosa fazenda, a melhor que um médico graduado poderia comprar.
     Mais uma vez a tonteira. Agora com quarenta e sete anos, eu estava entrando bêbado no carro com minha esposa e filha. Lembro-me que eu dirigi bêbado, e causei um enorme acidente; foi nesse acidente que eu perdera as duas mulheres mais importantes de minha vida. A angústia que a lembrança de Isabela insistindo que eu a deixasse dirigir, me fazia perder as forças; com uma nova oportunidade; mudei isso em minha vida também. Na saída do bar, antes de entrar no carro, eu entreguei as chaves do veículo para Isabela, que sorriu para mim por causa de minha atitude. Depois dessa mudança de decisão, o resto de minha vida mudou; as lembranças que eu tinha de uma vida solitária e amarga; desapareceram completamente. Agora eu vivia com minhas duas mulheres especiais em minha enorme fazenda, e exercia minha profissão salvando muitas vidas. Eu estava feliz, tão feliz como nunca estivera anteriormente. Uma paz cobria meu coração e eu não queria que aquilo passasse nunca.
     A oportunidade que eu tive de mudar algumas decisões em minha vida, me permitiu conseguir uma vida em perfeita harmonia. Tudo estava perfeito. Tudo era perfeito. Naquela noite eu dei um beijo em minha filha, que já estava com vinte e seis anos e fui dormir com minha linda esposa. Eu já estava velho, mas ainda tinha muito vigor. Lembro-me que peguei no sono muito rápido, e depois disso, tudo mudou mais uma vez. Na manhã seguinte acordei muito assustado. Olhei para o lado e não vi Isabela; estranhei a casa que eu estava, pois não me lembrava como eu havia chegado ali; saí do quarto e fui para um quarto ao lado procurando por Mônica, mas ali não tinha ninguém também. Olhei o restante da casa, e uma remota lembrança começava a brilhar em minha cabeça; então quando me virei para voltar ao quarto, uma angústia terrível tomou minha alma. Chorei por horas, pois eu caí na real que a chance que eu tive de mudar minhas decisões, não passara de um sonho, e após longos dias de choro e depressão, eu cheguei a conclusão de que a vida não volta para mudarmos as decisões tomadas, porém de certa forma me confortei em saber que tive a oportunidade de conhecer alguém que me deu uma nova vida por alguns minutos. No meu sonho eu conheci um senhor especial, eu pude ficar frente a frente com a face do tempo.



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quinta-feira, 24 de abril de 2014

Departamento Central - Assassinatos em Série

Capítulo 20 - Não Acaba Quando Termina




     Com receio de deixar Sabrina sozinha no apartamento com a porta arrombada, Cristian levou a parceira para casa dele. E lá passaram juntos, uma noite quente de amor.
     Cristian e Sabrina chegaram um pouco além do horário na delegacia no dia seguinte. Ao entrar no local de trabalho, Dr. Roberto conversava com Mirella. Segundos depois ela se afastava do delegado chefe e andava na direção dos parceiros, quando os quatro homens de terno se aproximaram dela e a fez parar. Cristian e Sabrina parou atrás deles e esperou a conversa deles se findar.
     _ Dra. Mirella. - Dizia um dos homens. - Concluímos com a coleta de dados em relação ao policial corrupto.
     _ Tudo bem. Vocês podem voltar para minha delegacia. - Dizia Dra. Mirella. - Tenho que terminar um caso que comecei. Assim que eu fechá-lo por completo, partirei para o Departamento de Corregedoria.
     _ Então nós iremos imediatamente doutora. - Concluiu o homem de terno.
     Mirella mal terminou de conversar com seus subordinados, e foi abordada por Cristian e Sabrina.
     _ Chega ser estranho ouvir e te chamar de doutora. - Dizia Cristian. - Acho que não consigo te chamar de Dra. Mirella.
     _ Realmente soa estranho pra nós! - Sabrina completou.
     _ Imagino. - Disse Dra. Mirella. - Isso é devido o fato de vocês terem me conhecido e se acostumado a me chamar apenas de Mirella. - Ela sorriu. - Podem me chamar de Mirella mesmo. Não me importo. - Ela respirou calmamente e continuou. - Podemos fechar o caso do assassino em série?
     _ Podemos sim. - Disse Cristian. - Nós íamos justamente começar a oitiva com Fred.
     _ Então vamos. - Sabrina concluiu andando em direção à sala de oitivas.
     E assim que acusado e policiais estavam presentes na sala, o interrogatório começou. E como sempre, Sabrina dirigia.
     _ Frederico, você confessa ser o assassino de Eloíse, Larissa, Laura e Lorena?
     _ Não adianta. Não confessarei nada.
     _ Seria melhor você confessar! - Disse Dra. Mirella. - Temos uma gravação com sua confissão. Ela é suficiente para que você seja acusado. Mas se você mesmo confessar e assinar a sua confissão, você terá a sua pena reduzida.
     _ Tudo bem! - Disse Fred. - Eu confesso! Fui o assassino de todas essas garotas.
     _ O que te levou a assassinar tantas jovens?
     _ Sa. - Dizia Fred antes de ser interrompido.
     _ Não me chame assim. - Disse Sabrina interrompendo Frederico. - Me chame pelo meu nome.
     _ Tudo bem... Sabrina! - Ele disse com um certo tom de irritação. - Quando eu era mais novo, eu morava em um orfanato. No Orfanato Raio de Luz pra ser mais preciso. Naquele lugar eu sofri agressões físicas de algumas garotas. Isso me causava muita raiva. E eu não podia me vingar, porque eu era sozinho, contra várias delas.
     _ Você tinha um amigo que apanhava com você! - Disse Cristian. - Já sabemos disso. Sabemos que o Guilherme era esse amigo e que ele te ajudava com as vítimas. Não precisa esconder nada. Já sabemos de tudo. - Cristian pausou olhando no fundo dos olhos dele. - Só queremos saber a sua versão da história. E acho bom não esconder a participação do seu amigo, ou isso poderá te prejudicar muito.
     _ Pois bem. Como o Gui e eu éramos muito pequenos e fraquinhos, não conseguíamos vencê-las e nem interromper aquelas agressões.
     _ Por qual razão vocês não contaram para alguém? - Sabrina questionou para Fred.
     _ Porque todos iriam rir de nós dois reclamando que algumas garotas nos agrediam. Então preferimos ficar em silêncio. O tempo foi passando; nós fomos crescendo; algumas delas foram adotadas; mas as agressões não cessavam; tudo mudou no dia que fui adotado por um casal de médicos. Antes que eu fosse embora, fizemos um juramento de um ajudar o outro em qualquer situação. Independente de qual fosse ela. - Ele respirou fundo, pausou por alguns segundos, e só então continuou. - Duas semanas depois que fui adotado, voltei ao orfanato. Pois havia pedido aos meus pais adotivos que me levassem até lá para ver o Gui. Quando cheguei, ele estava em cima de uma cama, cheio de hematomas. As funcionárias do orfanato disseram para meus pais que o Gui havia caído; isso era o que ele havia dito para elas na verdade; mas eu sabia muito bem o que havia causado aquilo nele. Nesse dia combinamos algo que mudaria a vida do Gui pra sempre.
     _ E o que vocês combinaram? - Sabrina perguntou aflita.
     _ Combinamos a fuga dele, assim que ele melhorasse. - Fred deu um leve sorriso. - Uma semana depois, Gui fugiu e foi se esconder na casa aonde eu estava morando. Não durou muito e meus pais descobriram ele em casa, e antes que chamassem o conselho tutelar para levá-lo de volta para o orfanato; Guilherme fugiu. Por muito tempo ele morou debaixo de pontes, e viadutos. Nos encontrávamos constantemente, e eu o ajudava com roupas, comida e dinheiro. O tempo passou e então crescemos. Passei no concurso da polícia e o Gui fez cursos de segurança que paguei pra ele. Ele virou segurança de vários locais e começou a se dar bem. - Ele respirou fundo e bebeu um pouco de água que estava em um copo em cima da mesa. - Tudo estava tranquilo; nós nem lembrávamos do nosso sofrimento, quando a desgraçada que me batia todos os dias passou em minha frente. - Fred começou a suar frio. - Por um momento eu pensei em matá-la ali mesmo. Só não fiz isso, porque o Gui me ligou. Não sei como, mas ele sentiu que eu não estava bem.
     _ Por que você diz isso? - Dra. Mirella perguntou confusa.
     _ Porque ele me ligou, e antes que eu falasse qualquer coisa, ele me perguntou se eu estava bem. Então quando eu percebi, eu segurava o celular na mão esquerda e a pistola na mão direita. Depois que voltei a mim, a garota já havia sumido. Ela não se lembrou de mim, mas eu reconheceria aquele rosto até no inferno! - Ele ficara vermelho de raiva. - Após isso, uma sede incontrolável de vingança me tomou. Então combinei com Guilherme que eu me vingaria de qualquer garota que viveu naquele orfanato. Foi aí que invadi o sistema da polícia e comecei a hackear tudo. Descobri tudo que eu queria sobre as garotas que viveram lá. Descobri onde elas viviam, trabalhavam e o que costumavam fazer. - Ele sorriu. - Foi fácil. Muito fácil conseguir essas informações sendo da polícia. Depois disso combinei tudo com o Gui, e ele ficou responsável de se aproximar das garotas. Eu fiz contatos. Cobrei alguns favores e fiz com que ele conseguisse os empregos certos nos momentos certos. A última vítima era carente e abandonada como nós. Foi fácil do Guilherme se aproximar dando um pouco de carinho. 
     _ Certo! - Disse Cristian de forma rude e seca. - Agora nos diga em detalhes como você agiu em cada crime.
     _ A Eloíse, após estudá-la por dois meses, esperei o dia em que o Gui estaria de plantão. Como eu sabia que ela sempre saía tarde e seguia sozinha até o estacionamento, e de lá para a casa dela; e o Guilherme já havia me informado que as câmeras do estacionamento não funcionavam; então eu sabia onde deveria agir. Eu cheguei horas antes do fim do horário que ela costumava sair; usei uma chave mestra para abrir o carro dela, abri o capô e dei um jeito de estragar o veículo. Depois disso foi só esperar ela sair. Assim que ela saiu, eu comecei a segui-la. Mas antes que eu pudesse me aproximar, Guilherme saiu atrás dela. Imaginei que ele estivesse fazendo aquilo para me avisar que tinha alguma coisa errada.
     _ E tinha? - Sabrina perguntou interrompendo o assassino.
     _ Não! Guilherme foi até Eloíse para impedi-la de ter que voltar para o prédio antes que eu a pegasse. Mas eu não sabia disso e fiquei com receio de atacá-la assim que ele saiu. Esperei alguma tempo. Eu iria pegá-la dentro do carro, mas por ter esperado, ela percebeu que o carro não funcionava e decidiu voltar. Foi aí que me apressei para pegá-la. Ela teria conseguido escapar se a porta dos fundos do prédio estivesse aberta. Mas Guilherme havia trancado de propósito, caso ela tentasse escapar por ali. Com a porta fechada, ela teria que dar a volta, e foi aí que ela topou comigo. Nesse momento que eu ataquei a garota. Eu teria terminado o serviço, se ela não tivesse enfiado o dedo no meu olho. Perdi o rumo naquele momento. Enfiei a faca nela, procurei pela seringa para injetar a mistura hemorrágica, porém não encontrei. Ouvi passos vindo em nossa direção, e então decidi sair correndo.
     _ Você havia perdido a seringa? - Cristian interrogava o acusado. - Por que Guilherme veio socorrê-la se sabia que era você tentado assassinar sua primeira vítima?
     _ Eu perguntei isso a ele. E ele me disse que havia se arrependido quando ouviu o grito dela. Então foi ajudá-la para me impedir.  A seringa estava comigo o tempo todo. Eu só procurei no bolso errado, por estar desnorteado.
     _ O que tinha na seringa?
     _ Acredito que vocês já saibam disso Sabrina, mas vou dizer mesmo assim. - Ele respirou um pouco e continuou. - Usei uma quantidade elevada de anticoagulante misturado com antiinflamatório. Isso causa hemorragia. Como a dose era muito elevada, levava as vítimas a óbito; como eu planejara. A facada que eu dera antes, foi com a intenção de deixar um local para o sangue sair; eu só não imaginava que com a dose tão elevada, faria o sangue sair por tantos buracos do corpo.
     _ Então por que você continuou dando as facadas depois que descobriu que não precisava disso para ocorrer a hemorragia? - Cristian perguntou com uma voz firme. - Como você sabia que essa combinação dava esse resultado?
     _ Eu continuei dando as facadas, porque eu achei uma maneira de deixar a minha marca. - Ele sorriu antes de responder a segunda pergunta. - Eu sabia que essa combinação causaria hemorragia, porque meus pais são médicos. Um dia eles me disseram para nunca fazer a mistura desses medicamentos, pois poderiam causar hemorragia. Ai foi só aumentar a dose e descobrir o que aconteceria.
     _ Continue contando como você matou as garotas. - Disse Dra. Mirella olhando para Fred.
     _ Bem. Como Eloíse não havia morrido, e eu havia conseguido convencer o Gui de que deveríamos terminar o serviço, dei um jeito de descobrir para onde ela havia ido. Fui até o hospital, mostrei minha funcional para o porteiro; que me deixou entrar sem nem pegar meu nome, e isso não seria o problema com alguns policias no local; e entrei. Vesti uma roupa de enfermeiro que estava no vestiário do hospital e aguardei um momento certo. Quando o pai dela saiu do quarto do hospital, eu entrei, e apliquei a mistura da seringa, no soro que estava ligado a ela. Depois disso foi esperar o resultado. - Ele pausou, olhou para os policiais e continuou. - A Larissa, depois de dois meses de observação, aguardei o dia em que ela fecharia a lanchonete. Eu sabia que ela estaria sozinha. Então fiquei nos fundos da lanchonete escondido atrás da lixeira. Quando ela saiu para jogar o lixo fora, eu a agarrei, dei uma facada no pescoço dela, e apliquei a mistura. Foi fácil. Ela nem gritou. Caiu e ficou gemendo. - Os olhos dele brilhavam. - A Laura eu estudei por dois meses também, junto da irmã dela, a Lorena. Claro que uma não conhecia a outra. E tinham vidas completamente diferentes. A Laura eu aguardei voltar de uma festa, que por acaso o Gui ouviu ela dizer que iria. Então deduzi que ela voltaria tarde. Fiquei escondido na garagem, pois sabia que os pais dela tomavam remédios para dormir. Então quando ela chegou, dei uma facada no coração dela e apliquei o conteúdo da seringa. Saindo de lá fui atrás de Lorena. O Guilherme ligou para ela de um orelhão dizendo que havia sido roubado e estava jogado debaixo de uma ponte. Como ele ligou para o telefone fixo dela, e sabendo que ela não tinha identificador de chamadas para saber que a ligação não vinha do celular dele, mas de um orelhão bem distante do local onde ele dissera estar; ela acreditou, e foi para o endereço que ele forneceu. Assim que Lorena chegou, eu saí das sombras, a agarrei e dei uma facada no coração dela; assim como da irmã gêmea. Elas deveriam morrer da mesma forma. Depois apliquei a injeção e fui embora. Em todos os casos tomei cuidado para não deixar rastros. Mas eu não contava com...
     _ Não contava com nossa habilidade! - Disse Cristian interrompendo o acusado.
     _ Isso mesmo.
     _ E por qual razão você tentou me matar? - Sabrina perguntou para Frederico olhando no fundo dos olhos dele.
     _ Porque você... - Fred pausou quando viu Cristian atrás de Sabrina fazer um sinal de negativo com a cabeça, e também perceber Mirella arregalar os olhos assustada com o que ele iria dizer. - Porque você acabaria descobrindo tudo e eu não poderia permitir isso! Ai quando seus amigos apareceram, tive que tentar fazer o mesmo com eles. - Ele parou quando viu Cristian fazer um sinal de positivo com a cabeça, dando a entender que ele fizera a coisa certa.
     _ Muito bom! Estou satisfeita! - Disse Sabrina colocando-se de pé. - E vocês?
     _ Nós também estamos. - Afirmou Dra. Mirella.
     _ Agora precisamos apresentar essa pasta para o delegado para que ele possa encaminhar toda a investigação para o juiz.
     Antes que os policiais saíssem da sala de oitivas, o celular de Cristian tocou. Ele olhou para o visor, e mesmo não sabendo quem ligava, atendeu.
     _ Fala!
     _ É o investigador Cristian?
     _ Sim, é ele mesmo! Com quem falo?
     _ Meu nome é Manoel, sou responsável pela segurança do Aeroporto Del Cassimiro. - Ele fez uma pausa.
     _ Olá Manoel. Tem alguma informação para me dar?
     _ Sim! Lembra que você entrou em contato com a gente, pedindo que retornássemos se tivéssemos algumas informação sobre Miguel Matarazzo?
     _ Lembro sim! Sabem alguma coisa dele?
     _ Melhor que isso! - Ele pausou um pouco fazendo suspense, e continuou. - Conseguimos prendê-lo!
     _ Que ótimo!
     _ Ele tentou embarcar em um avião portando documentos falsos. Mas mesmo pintando o cabelo, usando óculos e estando barbudo, conseguimos identificá-lo através da foto que você nos deu.
     _ Bom saber disso! Estaremos indo agora mesmo buscá-lo!
     _ Tudo bem! Estamos aguardando.

     Cristian comunicou o fato para os colegas e para o delegado chefe. Seguiram em uma viatura até o aeroporto, e sorriam do azar e da burrice de Miguel. Chegando no aeroporto não houve resistência. Os três policiais sorriram da cara dele, e da aparência que ele estava. Colocaram o suspeito na viatura e o levaram de volta para a delegacia.


     A manhã havia passado muito rápido. Cristian e Sabrina voltavam de um delicioso almoço romântico e se sentiam o máximo após concluírem um caso tão trabalhoso. Seguiam pelos corredores da delegacia procurando por Mirella, e quando passavam em frente a sala de Dr. Roberto, viram a delegada saindo da sala dele, e ambos apertavam as mãos. Ela agradecia pela recepção e se despedia do delegado chefe. Mirella se aproximou dos colegas dando um sorriso iluminador; algo que a fazia muito mais bela do que ela já era.
     _ Olá meus parceiros.
     _ Ei Mirella. - Disse Cristian sorrindo. - Melhor dizendo... Dra. Mirella.
     _ Quero fazer uma proposta pra vocês!
     _ Nós também Mirella. - Disse Sabrina sorrindo.
     _ Então façam vocês primeiro. - Disse a delegada.
     _ Queremos convidá-la para jantar conosco hoje após o expediente. - Disse Cristian. - Antes que você vá embora para o Departamento de Corregedoria. 
     _ Infelizmente não posso mais ficar aqui! Já estou de partida. - Disse Mirella olhando para os parceiros. - Mas quero chamá-los para partir comigo.
     _ Como assim? - Sabrina perguntou curiosa.
     _ Estive pensando. Posso fazer algumas ligações e conseguir transferência para os dois. - Ela olhou para eles e sorriu mais abertamente. - Quero que vocês trabalhem comigo. Venham trabalhar no Departamento de Corregedoria. - Ela respirou um pouco e concluiu dizendo. - O que vocês me dizem?
     Cristian e Sabrina se olharam surpresos e assustados. Eles começaram a sorrir pensando na possibilidade de aceitarem a proposta da delegada. Eles estavam prestes a dizer sim, quando Dr. Roberto sai da sala dele com o celular no ouvido terminando uma conversa.
     _ Cristian, Sabrina! - Ele pausou e se despediu de quem estava do outro lado da ligação. - Preciso que vocês dois assumam um novo caso. Imediatamente.
     _ O que aconteceu? - Cristian perguntou preocupado com a expressão que Dr. Roberto fizera.
     _ O filho de seis anos do vice prefeito desapareceu!
     _ Isso tem quanto tempo? - Sabrina perguntou se interessando pelo provável caso.
     _ Isso faz meia hora! - Dr. Roberto respondeu começando se afastar. - Venham até a minha sala agora! Vou informá-los de tudo que precisam saber sobre esse desaparecimento.
     Cristian e Sabrina se olharam. Ambos entenderam o que um queria falar para o outro apenas com aquele gesto. E então o jovem policial virou-se para Mirella e começou a falar.
     _ Bem Dra. Mirella. - Ele sorriu. - Agradecemos pela proposta maravilhosa que nos fez. Iríamos aceitar... - Ele respirou fundo. - ... mas o nosso lugar é aqui, investigando as loucuras que ocorrem nessa cidade. - Ele a abraçou. - Foi bom trabalhar com você. Espero que tenhamos a oportunidade de nos reencontrar, nem que seja pra tomar um café.
     _ Eu que agradeço pela oportunidade de trabalhar com pessoas tão competentes. - Ela sorriu. - É mesmo uma pena não tê-los conosco. - Ela apertou a mão de Sabrina e continuou. - Vão logo ver o que Dr. Roberto está querendo. Resolva mais esse problema, porque sei que vocês são bons nisso.
     Cristian e Sabrina se afastaram de Dra. Mirella e se dirigiram até a sala de Dr. Roberto; eles abriram a porta e desaparecem quando ela se fechou.


Fim.



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