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domingo, 23 de fevereiro de 2014

Eu Caminhei Com Um Anjo

     Eu estava descendo as escadas do meu apartamento indo em direção ao meu trabalho quando o síndico me chamou.
     - Isabelle, hoje faremos reformas no prédio até às dezoito horas.
    - Tudo bem Sr. Pedro, estarei no trabalho até mais tarde hoje, não corro o risco de chegar e ter que enfrentar esse barulho infernal que reformas fazem.
     - Tudo certo então! Tenha um bom dia.
     - Um bom dia para o senhor também.
     Fui caminhando até o estacionamento do prédio e entrei no meu carro que estava estacionado no mesmo local que deixei. Ainda bem né, afinal de contas, não seria nada legal eu chegar para pegar meu carro e não encontrá-lo onde deveria estar. Segui meu trajeto usual e não enfrentei muito trânsito, pois às cinco e meia da manhã eram poucos que passavam por ali. 
     Depois de meia hora de trajeto, cheguei em meu trabalho. Passei pela recepção e cumprimentei o segurança e a faxineira que já estavam exercendo suas funções. Peguei o elevador até o nono andar já procurando a chave da minha sala dentro da bolsa.
     - Droga! Essas chaves parecem ser ilusionistas. Pois sempre fazem o truque do desaparecimento.
     Parada de frente para minha sala ainda procurava pelas benditas chaves. Ainda procurando as chaves, eu retornava para o elevador com destino a recepção para poder pegar as chaves reservas com o segurança; neste exato momento, minha mão esbarra em algo metálico e gelado.
     - Achei! - Falei gritando. Sorte que não havia ninguém próximo de mim.
     Novamente de frente para minha sala, enfiei a chave e girei confiante. Com muita alegria eu pude girar a maçaneta e entrar no meu mundo exclusivo. Sentei na minha cadeira e já abrindo a gaveta da minha mesa, peguei um bloco de papéis grudados um ao outro com um clipe enorme. Olhei com atenção para o bilhetinho amarelo que vinha pregado em anexo.
     - ``Isabelle, este texto é uma obra que deve ser avaliada para publicação. Ele requer uma certa urgência´´. - E em destaque com caneta marca texto dizia. - ``Olhe com muito carinho, pois esse texto é de um grande amigo meu.´´
     Peguei o telefone e disquei para a sala do presidente da editora. Chamou por várias vezes até desligar. Era óbvio que o Sr. Gustavo não havia chegado ainda. Se tinha uma coisa que eu detestava eram textos apadrinhados por alguém. E eu sendo a editora chefe da Editora Magazzine, responsável pela publicação mensal de cinco tipos diferentes de revistas e diversos livros, decidia sempre o que podia ser publicado e o que deveria ser jogado no lixo. E os textos apadrinhados na maioria das vezes eram lixos que eu jamais daria ordens de serem publicados em nenhuma de minhas revistas. Nesse caso seria a publicação de um livro e eu já ia pensando na minha fala na hora de dizer para o Sr. Gustavo, que o lixo de livro que ele pediu para ser avaliado, não iria chegar em sua fase final; que seria a fase de impressão. Joguei aquele bloco de papel para o lado e fui direcionar as publicações das próximas revistas.
     
     Meu dia havia passado muito rápido, e quando olhei no relógio, ele marcava quinze minutos para as dezoito horas. Não era minha intenção ficar ali por mais tempo, e muito menos sair antes do horário, mas ler tantos textos durante o meu dia inteiro, me causou uma tremenda dor de cabeça. Sem parar para pensar larguei o que estava fazendo; peguei meu celular e mandei uma mensagem para o meu namorado. Marquei de encontrá-lo em casa para tomarmos um vinho e comermos uma massa. É claro que depois de um dia cansativo de trabalho, eu não iria cozinhar. Na mensagem já dizia a ele que passasse no restaurante italiano próximo da casa dele e comprasse as massas e o vinho. 
     Quando saí da minha sala, os funcionários já estavam contando os segundos para irem embora, e se surpreendera quando viram a chefe deles saindo da sala dela no horário de ir embora. Isso não era comum, pois eu costumava ficar até mais tarde resolvendo pendências e mais pendências. Mas não interessava a ninguém, aquele dia eu resolvi sair no horário. Desci até o estacionamento da editora e peguei meu carro. Me assustei com o trânsito que estava nas ruas. 
     - Nossa, de onde saíram tantos carros?
     Aquilo era novidade para mim que quando saía era tarde o suficiente para deixar as ruas livres. Não gostei muito quando cheguei em casa depois de uma hora no trânsito. Mas tudo bem, eu finalmente estava entrando pela recepção do condomínio e seguia em direção ao elevador. Pedi ao porteiro que guardasse meu carro no estacionamento e entregasse a chave para Caio; meu namorado; quando ele chegasse.
     Eu não acreditei quando ouvi barulho de furadeira. Não era possível que depois das dezenove horas ainda haviam gente fazendo obras. Fui indignada até o apartamento do síndico reclamar daquilo. De frente para o apartamento dele, bati na porta.
     - Sr. Pedro. Sou eu, Isabelle.
     Ninguém atendeu. Enquanto eu retornava para a recepção, escorreguei no piso molhado e bati com a cabeça no chão. Nossa, doeu demais. Fiquei tonta e vi tudo ficando escuro. Ninguém apareceu para me ajudar. Revoltada me levantei e fui me queixar com porteiro a respeito daquele chão molhado. Não havia ninguém na recepção; nem na portaria; em lugar nenhum. Fiquei mais irada ainda. Ia pegar o elevador, quando uma criança entra correndo pela recepção gritando o meu nome. Olhei assustada para aquela pequena criatura que eu não conhecia. Como ela poderia me conhecer? De onde ela vinha? Onde estavam os pais dela? E aquela criança continuava vindo em minha direção e continuava gritando pelo meu nome.
     - Isabelle. Isabelle. - Sorrindo ela estendeu a mão e me pediu a minha.
     Eu resisti, e não dei minha mão. Não conhecia aquele menino. Ainda sorrindo ele veio até mim, pegou na minha mão, e aquela dor danada que eu ainda sentia na cabeça desapareceu de repente. Como num passe de mágica. Aquela mãozinha quase sumia entre a minha, mas do nada ele me puxou para baixo me forçando a ficar agachada. E aproximando aqueles pequenos lábios do meu ouvido me disse:
     - Vem comigo!
     - Para onde? - Perguntei. - Para onde? - Insisti. - Quem é você e onde estão os seus pais?
     Ele apenas sorriu. Olhando no fundo dos meus olhos e disse novamente.
     - Vem comigo! Preciso de sua ajuda.
     Eu não quis perguntar mais nada. Afinal, uma criança de aproximadamente três a quatro anos não poderia me fazer mal algum. Dada a mão aquele garoto, o segui. Ele me levou para fora do prédio e foi me conduzindo pela calçada. Caminhávamos, e ainda de mãos dadas ele sorria pra mim. Eu não entendia o que ele queria ou o que estava acontecendo com ele. Mas a paz que ele me transmitia era tão boa e tranquilizadora, que eu o segui sem questionar.
     Andamos por todo o quarteirão. Passamos pela praça e pelo parque que ficavam próximos do prédio onde eu morava. Eu não sentia cansaço apesar de ter trabalhado o dia todo. De repente eu me toquei que estávamos andando debaixo do sol. Mais como isso era possível? Antes de sairmos  do prédio ainda eram um pouco mais de dezenove horas. Como havia amanhecido tão rápido e eu não tinha visto. Algo estava muito estranho. Parei de andar, puxei a minha mão daquela mão pequenina e o indaguei.
     - Espere um minuto! Onde estamos indo? Como amanheceu tão rápido?
     - Você não viu o sol nascendo? - Perguntou o pequenino.
     - Não! Agora mesmo eu havia acabado de chegar do meu trabalho. - Disse em tom de pura certeza do que eu dizia.
     - Não. - Sorrindo ele afirmava. - Você não chegou agora. Tem tanto tempo que você chegou!
     - Você está brincando comigo né? - Eu afirmei. - Cheguei agorinha mesmo.
     - Não, você não chegou! - E com uma expressão de amor e carinho ele continuou. - Posso te provar o que digo.
     Eu parei para pensar. Procurei uma provável explicação de como havia amanhecido tão depressa. E como um garoto tão pequeno poderia me provar que eu estava enganada de uma coisa que eu tinha a absoluta certeza de que estava correta. Sorri para mim mesma. Então sem questionar mais nada, estendi a mão para o garoto e esperei ele me dar a mãozinha dele. E foi justamente o que ele fez.
     Continuamos andando, sem dizer nada um para o outro. A única coisa que fazíamos era andar. Eu não tinha noção do quanto havíamos andado e muito menos havia percebido que já era noite novamente. Como o tempo mudava tão rápido e eu não percebia? Cansei de esperar e parei novamente.
     - Me diz agora garoto! O que está acontecendo que já é noite novamente e não percebi?
     - Você não tem percebido muitas coisas que acontecem ao seu redor. - Disse ele. - Tem bastante tempo que as coisas acontecem e você não percebe. - A expressão dele se asseverou. - Quero que isso acabe. Preciso que você venha comigo!
     - Ir pra onde? O que está havendo? - Eu me irritei. - Como alguém tão pequeno é capaz de me chamar a atenção e me provar coisas que nem mesmo eu entendo? - Olhei nos olhos brilhantes dele e continuei. - Acho que estou ficando louca. Sair andando com alguém que nem conheço e achar que o tempo está passando depressa. Agora ainda devem ser por volta das dezenove horas. Vou voltar para meu apartamento e vou descansar, pois tenho que acordar cedo para trabalhar.
     Ele me olhou com expressão de tristeza e de cabeça baixa disse baixinho.
     - Você só vive para isso! Não faz nada além de trabalhar.
     Eu muito irritada, disse gritando.
     - Quem é você? Onde estão os seus pais?
     - Você ainda não me conhece, mas conhece os meus pais! - Ele olhou nos meus olhos, estendeu a mãozinha para mim e continuou. - Venha comigo! Depois que você ver meu pai e minha mãe, você saberá quem sou eu.
     - Faz muito tempo que estamos andando e não chegamos nunca.
     - Estamos chegando, só precisamos caminhar mais um pouco. - Disse ele.
     - Tudo bem. Então vamos logo.
     Caminhamos mais alguns minutos até chegarmos de frente para o hospital. Ele não parou. Me puxou para dentro e continuamos andando. Eu não via ninguém lá dentro daquele hospital, existiam nós dois apenas. Passamos por alguns corredores até chegarmos de frente para um quarto. Ele segurou na maçaneta e abriu cuidadosamente a porta. Tinha um homem sentado em uma cadeira de costas para a porta, debruçado sobre os pés de uma mulher que estava internada dormindo, mas ela estava ligada a muitos aparelhos. Me assustei quando o homem se virou. Era Caio; meu namorado; ele estava ali por quem? Eu não queria acreditar que ele estava me traindo. Quem era aquela mulher? 
     Me virei para ir embora quando o menino me segurou na mão e disse:
     - Entre. Por favor! Venha conhecer a minha mãe.
     - Me diz uma coisa. - Falei para ele. - Aquele homem ali é seu pai?
     - Sim! - Afirmou ele.
     - Vou embora. Não quero passar por isso!
     - Você precisa entrar. Se você for embora agora, tudo estará perdido para sempre!
     - Por que tenho que entrar?
     - Porque você precisa me conhecer e ver eu sorrir para você!
     - Você tem sorrido para mim desde o momento que te conheci.
     - Venha! Venha me conhecer! - Afirmou o garoto entrando no quarto e deitando na cama ao lado da mulher. Me assustei quando entrei e vi que onde o menino havia deitado agora tinha um bebezinho lindo e recém nascido.
     Como aquilo era possível? Eu estava começando a ter certeza que o bate que eu tive na cabeça me deixara louca. Ia sair do quarto quando resolvi perguntar para Caio quem era aquela mulher. Cheguei perto dele e o chamei. Ele não me olhou, mas continuou debruçado sobre as pernas daquela mulher. Chamei novamente e nada. Ele não estava me ouvindo. Aquilo me deixou mais irritada ainda. Furiosa, dei a volta no leito daquela mulher e resolvi olhar para ela. Quando eu avistei o rosto dela, uma luz forte ofuscou minha visão. Me senti fraca,e enquanto eu desmaiava eu ouvi uma frase:
     - Ela acordou!

     A claridade foi se apagando e, aos poucos eu fui percebendo que eu estava deitada em um leito de hospital e que Caio estava debruçado aos meus pés. Um médico se aproximou me avaliando e me disse com muita tranquilidade.
     - Seja bem vinda!
     Caio se aproximou, me deu um beijo na testa e disse com voz suave.
     - Meu amor, você sofreu um acidente no seu prédio. Tem nove meses e meio que você estava em coma. - Ele se afastou enquanto dizia. - Tem alguém aqui que você deve conhecer. - Ele se aproximou com um bebê no colo e continuou. - Olhe para o nosso filho. Você estava grávida e não sabia! - Ele concluiu virando a face do bebê para mim.
     Quando eu olhei para aquele pequenino, ele me deu um lindo sorriso... o mesmo sorriso do garoto que havia me levado para lá. Então entendi tudo. 
     Aquele menino era o meu filho. Eu sem saber caminhei com um anjo.
     



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