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sábado, 27 de dezembro de 2014

Keiko

     Eu cresci em uma cidade de interior, e vivi a maior parte da minha infância na fazenda dos meus pais. De acordo em que os anos iam passando e eu ia me tornando um adolescente, meu pai resolveu me mandar para a capital para morar com minha avó Ana. Ele tinha em mente de que na cidade em que minha avó morava, eu teria estudos melhores do que a escola comunitária dos fazendeiros. Então eu parti. Me adaptei muito bem à cidade grande como diziam os fazendeiros, e descobri que ali, realmente era o meu lugar.
     Um dia de sábado acordei com o sol batendo em meu rosto. Seria um dia quente de verão, e pela pequena fresta aberta da cortina, o sol acariciava minha face como se me acordasse me dando um bom dia. Não era meu costume levantar cedo aos sábados; mas nesse dia; eu me levantei. Olhei no relógio do meu celular e vi que eram sete e quinze, e que do lado de fora da janela, havia um barulho incomum vindo da casa vazia ao lado. Fui até a janela e escancarei a cortina; abri sutilmente a janela e me deparei com a mais bela das moças. Uma descendente de oriental vestindo uma camiseta roxa colada no corpo, e uma mini saia branca. Eu nunca havia visto ela por ali; isso significava que eram os novos vizinhos se mudando. Continuei olhando discretamente, até que nossos olhares se cruzaram. Parece que o tempo parou nesse momento; mas só pareceu; pois enquanto meu coração disparava em meu peito, saltando como sambistas na avenida em dia de carnaval; para ela não foi nada, pois a danada simplesmente olhou e desviou o olhar. Tentando sair do meu transe temporário, peguei o celular e liguei para o meu amigo Thiago.
     _Fala Thiagão, fazendo o que de bom?
     _ Qual é Maurício, você já olhou no relógio? - Ele deu uma pausa esperando que eu fizesse o que ele tinha pedido. - Cara, agora são menos de oito horas! - Ouvi uma puxada de fôlego. - E você sabe que eu odeio acordar antes das oito no sábado! - Disse ele berrando. - O que eu fazia de bom? Eu dormia até você me acordar! - Ele concluiu  ainda aos gritos.
     _ Puts cara! Nem percebi que ainda estava tão cedo. Foi mal.
     _ Foi mal não, foi péssimo! Mas já que me acordou, diz ae o que você quer?!
     _ Ia te chamar pra fazer algo.
     _ Tipo o que?
     _ Não sei. Da uma sugestão ae. Você quer que eu pense em tudo?
     _ Oito horas começa a pelada dos meninos lá no campinho velho. - Eu ouvia um barulho de água no fundo da ligação. - Tá afim de bater bola hoje com eles? Já estou indo escovar os meus dentes!
     _ Formou então. Daqui a pouco passo ai e a gente vai juntos. 
     _ Beleza. Te espero então.
     Passei o resto do sábado fora, e só voltei de noite, por volta das vinte e trinta. Quando entro em casa, vejo a vizinha nova e mais um casal de orientais que eu julguei serem os seus pais. Dei boa noite para eles e ia passando direto, quando minha avó me fez voltar.
     _ Maurício, volte aqui e converse um pouco com os novos vizinhos. Que falta de modos sãos esses menino?
     _ Desculpa Vó Ana. - Eu disse todo sem graça quando percebi um leve sorriso no canto da boca da menina. - Eu ia tomar um banho. Estou sujo.
     _ Venha pelo menos dar um oi. - Disse Vó Ana com uma expressão séria.
     _ Olá para vocês. Me chamo Maurício, e me perdoe pela minha falta de educação.
     _ Olá Maurício, meu nome é Tamashiro, essa aqui ao meu lado é minha esposa Sakura. - Ele agora olhava para a filha. Eu estava mais que ansioso para ouvir o nome da ninfa do sol que roubara o meu sono pela manhã. E apontando para ela, ele continuou. - E essa é Keiko, minha filha.
     _ Prazer em conhecê-los. - Eu a encarava e me fazia de desinteressado para não dar bandeira. - Agora se me dão licença, vou tomar um banho. 
     Sai da sala e deixei eles conversando com minha avó Ana, e antes de entrar no meu quarto eu olhei para a sala, e vi que Keiko olhava para mim e mantinha um sorriso tão branco que ofuscou minha visão. Desconcertado, entrei para o meu quarto e não sai de lá até o outro dia.
     Os dias foram se passando e quando percebi já era sábado novamente. Mais uma vez eu acordara cedo. E eu já começava a estranhar aquilo, pois isso não era comum. Eu já ia me virar para o lado para tentar dormir mais um pouco, quando Vó Ana bate na porta do quarto.
     _ Maurício meu neto, acorde! 
     _ O que foi vó? Aconteceu alguma coisa?
     _ Não. Mas a vizinha está lá na sala querendo falar com você!
     _ Qual vizinha vó? Juliana? - Juliana era uma menina que eu pegava sempre que um ou outro ficava carente. Mas vó não sabia disso, ou pelo menos fingia não saber.
     _ Não menino. Estou falando da vizinha nova. Da garota que mudou para a casa do lado sábado passado.
     _ A senhora sabe o que ela quer?
     _ Não. Mas se quiser eu posso perguntar ou mandar ela ir embora e voltar depois.
     Antes que minha avó terminasse de falar eu já estava em pé vestindo uma bermuda, pois não poderia receber a vizinha só de cueca, assim como eu fazia com Juliana.
     _ Não vou ser mal educado vó. Diga a ela que já vou. Só vou escovar meus dentes.
     Escovei meus dentes o mais rápido que consegui e fui para sala encontrar com a minha linda vizinha. Ela não percebeu quando me aproximei, e em silêncio eu a observei pegar minhas fotos de infância que ficavam em cima do aparador, e dar sorrisos fofos de mulheres que gostam de bebês gordinhos e desajustados. Continuei observando mais um pouco, até me fazer notório.
     _ Olá Keiko! Tudo bem com você e família?
     _ Olá Maurício. - Disse a jovem descendente de oriental com um sorriso contido e tranquilo. - Espero não estar incomodando. - Ela se aproximou de mim e estendeu a mão para me saldar. - Está tudo bem sim comigo e minha família. Obrigada por perguntar.
     _ Está certo. - Fiz uma pausa média a encarando nos olhos, e então prossegui. - Em que posso lhe ajudar?
     _ Hum. - Ela permaneceu pensativa até expressar suas verdadeiras intenções. - A questão é a seguinte. - Ela respirou fundo e continuou sem rodeios. - Eu gosto muito de pintar telas de paisagens naturais, e fiquei sabendo que aqui perto tem um parque municipal com uma grande variedade de flores. Como eu não conheço bem a cidade, gostaria de saber se você pode me levar para conhecer?
     _ Posso sim! Você vai querer ir que horas?
     _ Gostaria de ir agora se você não se importar.
     _ Tudo bem para mim. Mas e seu material? Ele é muito pesado?
     _ Um pouco. - Ela disse sorrindo e me encarando. - Mas não se preocupe, meu pai vai nos levar até lá e nos trazer quando terminarmos.
     _ Ah bem! - Deixei escapar uma expressão de alívio. - Então vamos!
     Fomos para o parque, e passamos todo o dia por lá, não viemos nem para o almoço. Acabei descobrindo que Keiko levava jeito para a pintura. Talvez com um pouco mais de treino e técnica, ela se tornasse uma pintora renomada. Quando voltamos para casa, ficamos conversando na porta da casa dela por horas até o Sr. Tamashiro pedir que ela entrasse. Nos despedimos com um aperto de mãos e entramos.
     Nos dias que se seguiam, a gente ia cada um para sua escola, mas quando de noite, encontrávamos na frente da casa dela e ficávamos conversando por horas; até o pai dela aparecer na janela e chamá-la para dentro. Nos sábados íamos para o parque para que ela pudesse pintar; sendo o domingo o único dia em que não nos víamos porque ela passeava com os pais. E isso se tornou uma rotina. Estávamos muito ligados, mas o que eu sentia por ela era algo muito além de amizade; eu estava apaixonado por Keiko, e já havia decidido de que falaria com ela na festa de aniversário do Thiago; só aguardaria a melhor oportunidade.

     Eu curtia a festa de aniversário do meu amigo Thiago e aguardava ansioso pela chegada da Keiko; porém muitas horas mais tarde, percebi que a jovem oriental não iria aparecer. Quando eu ia embora, Juliana veio se esfregando em mim me querendo, e para não perder a festa e nem a oportunidade; levei-a para o quarto do Thiago, e fiquei com ela a noite toda. No outro dia pela manhã, acordei com uma ressaca louca; minha cabeça doía e girava como um peão. Levantei-me na ponta dos pés para não acordá-la. Olhei com cuidado pelo chão do quarto à procura de preservativos usados; mas para meu azar; eu não havia usado nenhum para ficar com ela. Sai do quarto e me deparei com Thiago só de cueca no sofá da sala, completamente desacordado. Nem tentei acordá-lo, apenas peguei minha carteira em cima da mesa de centro e fui para casa.
     Acredito que Keiko ficou sabendo que peguei Juliana, pois nos dias seguintes à festa, nossa rotina foi alterada; ela não quis mais falar comigo. E para meu azar, nos outros dias subsequentes, eu não a vi mais. Fiquei sabendo por meio de conversas em grupos de amigos, que Keiko havia ido para o Japão para passar uma temporada de seis meses fazendo cursos de pintura e estudando. Tentei não me abater, mas aquilo para mim foi um choque.

     Dois meses depois da partida de Keiko eu ainda não havia tido notícias dela; mas em compensação Juliana me noticiara de que desde a nossa última ficada; ela não tinha passado pelo seu período menstrual. Uma bomba pior que a nuclear fora jogado em minha cabeça, agora eu estava completamente sem rumo.

     Agora seis meses sem a Keiko; eu preparava para viajar para a fazenda dos meus pais, quando o carro do Sr. Tamashiro para e ele desce já descarregando algumas malas. Eu não dei muita confiança, e continuei colocando as minhas malas no taxi que me levaria para a rodoviária, até que ouço alguém dizer meu nome; eu  tremi ao reconhecer aquela voz. Então virei-me bruscamente e falei:
     _ Keiko!
     _ Olá Maurício! Como você está?
     _ Estou bem e você? 
     _ Estou bem também. Acabo de chegar de viajem. E pelo visto você está indo viajar também.
     _ É, vou sim. Estou indo ver meus pais na fazenda. - Respirei fundo, pensei um pouco e perguntei. - Por que você foi embora e sequer despediu de mim Keiko? Pensei que fôssemos amigos.
     _ Éramos. Na verdade eu não iria viajar, mas... - Ela hesitou por um tempo. - você ficou com a Juliana. Eu gostava de você. Você não deveria ter feito aquilo comigo.
     _ Eu te esperei na festa. - Falei de forma rude. - Mas você não foi!
     _ Pensei que você gostasse de mim.
     _ Eu gostava! - Afirmei com muita veemência.
     _ Não gostava não. Por que ficou com ela então? - Keiko deu um suspiro profundo e prosseguiu. - E pra piorar ela ficou grávida!
     _ Certo! Errei, e o que passou não volta mais. Perdi de ficar com você, e fiz besteira, mas o destino às vezes nos dá novas oportunidades. - Eu abaixei a cabeça e com pesar nas palavras continuei. - Juliana perdeu meu filho. Não fiquei feliz com isso, mas acho que de certa forma, foi melhor assim, pra ela e pra mim.
     _ Sinto muito. - Disse a oriental.
     _ É, eu também sinto. Sinto mesmo, por tudo! - Eu me virei em direção ao taxi e coloquei a última mala no bagageiro. - Agora me dê licença que tenho que ir!
     _ Não vá! - Foram as palavras mais doces que eu ouvi desde quando cheguei ali naquela cidade. E vindas de Keiko, as tornaram as melhores que eu poderia ouvir, até virem as próximas. - Fica comigo essa noite. Ainda quero você!
     Passamos a ficar com frequência, mas não assumíamos um namoro; apenas ficávamos. Ela me dizia que gostava muito de mim; que eu estar perto dela era suficiente; que eu trazia paz para o coração dela; que estarmos juntos era muito bom e que adorava quando eu ligava para ela. Eu estava meio enrolado com outra garota; ela sabia; mas não se importava; até que um dia eu descobri que ela havia ficado com outro cara, e com muita raiva eu questionei a razão dela ter feito aquilo comigo depois de tantas juras de sentimento; ela não se explicou, só pediu que eu parasse de ficar com a menina que eu ficava. Achei justo, e logo em seguida eu terminei todo o rolo que eu tinha com a outra garota. Agora estávamos bem. Continuávamos ficando; sem assumir um compromisso sério; mas ficávamos sempre. Para mim estava tudo ótimo, até eu descobrir que ela ficara novamente com outro cara. Irado, fui tirar satisfações.
     _ Como você diz gostar de mim, e fica com outros caras ainda estando comigo? - Perguntei com um peso no coração.
     _ Nós apenas ficamos Maurício. - Disse ela com muita calma. Não temos nada sério. Não me cobre nada como se eu estivesse errada. - Ela respirou fundo. - Não tente me fazer sentir culpa, pois não estou errada!
     _ E tudo o que você me disse? Era mentira?
     _ Não! Eu realmente gosto muito de você! Estar com você é especial. Quando fico com você, sei que tem algo a mais, e quando fiquei com outro cara, foi só por ficar!
     Eu segurei as lágrimas que tentaram sair dos meus olhos, virei-me de costas e sai sem olhar para trás! Cada passo que eu dava, eu carregava o peso de meu sofrimento, misturado com minha decepção. Ergui minha cabeça, mantive o meu resto de orgulho e hombridade, e sumi das vistas dela sem vacilar. Cheguei na casa de vó Ana, arrumei minhas coisas; expliquei a ela tudo o que havia acontecido e parti para a fazenda dos meus pais.

     Três anos havia se passado desde que eu tinha ido embora da casa de minha avó. E eu estava de volta àquela cidade para visitá-la, pois ela não estava muito bem de saúde. Parei com meu carro na porta da casa e desci; segui até a porta traseira do carro e antes de abri-la, uma jovem sai da casa de vó Ana e vem em minha direção com uma expressão de quem não estava crendo no que via. Sem perder tempo, ela já veio conversando comigo.
     _ Maurício, como você mudou, está mais belo, está mais homem! - Ela sorriu. - Que bom revê-lo! 
     _ Olá Keiko! - Falei sem esboçar sentimento. - Eu cresci e amadureci. As lições da vida nos ensinam coisas que carregamos até o final dela. Sou outra pessoa!
     _ Eu também aprendi muito. Mudei muito também, principalmente depois que você partiu! - Ela veio até mim e segurou a minha mão. - Não tive notícias suas. Ninguém me falava nada de você.
     _ Eu sei! Eu pedi isso para as pessoas que eu conversava. - Conversei puxando minha mão da mão dela.
     _ Me perdoe por ter feito isso com você! - Ela disse abaixando a cabeça. - Espero que o nome Keiko não te traga maus sentimentos.
     _ Não se preocupe com isso! Esse nome me traz muito amor no coração.
     Ela deu um sorriso, pegou minha mão novamente e aproximou seu rosto do meu, quase que me beijando.
     _ Eu ainda gosto muito de você! Desde que você partiu eu espero você voltar! - Ela olhou nos meus olhos e prosseguiu. - Maurício, vamos ficar juntos pra nunca mais separar?!
     Eu ainda segurava a mão dela, e olhando no fundo de seus olhos, eu continuei.
     _ Eu sempre amarei uma Keiko! E ninguém vai mudar isso. Vou carregar esse amor comigo até eu morrer. - Eu respirei fundo. - Mas não posso ficar com você.
     _ Não pode ficar comigo por qual motivo?
     _ Quero te apresentar uma pessoa muito especial. - Eu abri a porta do carro e mostrei uma linda criança sentada em uma cadeirinha, aguardando pacientemente o momento de ser retirada dali. - Essa é minha filha, ela tem um ano e meio.
     _ Qual é o nome dela?
     _ Keiko! O nome dela é Keiko!




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