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quinta-feira, 3 de julho de 2014

Precisa-se de Um Coração

          Hoje estou muito contente; pois após dois anos morando e me especializando em medicina na cidade de Nova Iorque nos Estados Unidos; finalmente estou voltando para casa. Há poucos minutos foi anunciado o portão de embarque para o Brasil, e é para aonde estou seguindo agora. Não vejo a hora de rever minha família e alguns poucos amigos.
     Após algumas horas de viajem, cheguei a meu país. A principio estou indo para a casa dos meus pais, até que tudo se acerte. Amanhã mesmo vou começar a mandar currículos para todos os hospitais dessa cidade; pois estou com muita vontade de começar a exercer a minha profissão de médico; mas enquanto isso; vou curtir a festa de boas vindas que meus pais prepararam para mim.
     Depois de ter sido recebido com muita alegria pelos meus pais e amigos, vou dormir para descansar e poder começar a procurar emprego. Espero que após me formar em medicina; arranjar emprego; seja bem mais fácil. Após deitar na minha antiga cama; apaguei; parecia até que eu tinha um botão de ligar e desligar. Quando era por volta das sete e meia, minha mãe levantara e começara a fazer o café; pois quando fora oito horas, senti o aroma do delicioso café que só minha mãe fazia. Então me levantei, tomei um banho, vesti uma roupa e desci do meu quarto para tomar café. Fiquei algum tempo ali conversando com meus pais, até eu tomar a iniciativa de ir para o computador mandar meus currículos. Voltei para o meu quarto e só sai de lá depois de uma hora enviando e-mails com meus currículos anexados para os hospitais da cidade. Eu tinha esperança de receber uma resposta logo; mas meu maior desejo era de ser contratado pelo hospital mais importante da cidade, o famoso Hospital Vitalys.
     Os dias foram passando, e eu não havia recebido nenhum retorno, e isso já começava a me deixar preocupado. Volta e meia eu ia até o computador checar meus e-mails; mas ainda não tinha resposta alguma. Eu começava a ficar deprimido, quando Jonathan; meu amigo de infância; convidou-me para dar uma volta no shopping para ver algumas gatinhas. Ele estava com vinte e sete anos e eu era dois anos mais velho que ele; sempre fomos bons amigos, e agora voltávamos a nos reaproximar depois de dois anos conversando pela internet.
     _ Fala brother, como você está? - Volta e meia eu me pegava colocando palavras em inglês no meio de minhas conversas. Acho que acabei me acostumando com a língua americana. - Veio fazer o que aqui?
     _ E ae mano. Vim te chamar para azarar umas minas no shopping. La ta cheio delas, e tem muita mina top dando mole por lá.
     _ Moço, fiquei com umas estudantes americanas, mas prefiro mesmo as brasileiras. Vamos lá então.
     Jonathan e eu partimos para o shopping no carro da mãe dele; e não demorou muito, já estávamos andando, olhando para as lojas e encarando as meninas. O meu amigo trabalhava em uma joalheria com a mãe dele, mas naquele dia, ele havia pegado um dia de folga para sair comigo. Nós paramos em uma área de alimentação, pedimos um sanduíche para cada e aguardamos o lanche ficar pronto. Enquanto isso duas lindas garotas assentaram-se na nossa frente e ficaram nos encarando de maneira discreta e disfarçada. Jonathan como era mais desinibido do que eu, levantou-se, foi até a mesa das meninas e se apresentou para elas. A garota que me encarava; ele deixou para que eu conversasse com ela; a outra ele começou a conversar. Depois de algum tempo de conversa e após ter comido nossos sanduíches, meu amigo saiu para uma área mais reservada com a garota que ele conversava. Fiz o mesmo; segui com minha garota até a área do cinema; que no momento estava sem sessão; e dei uns amassos nela, até que chegou um segurança e pediu que a gente parasse com aquilo. O celular dela vibrou, e quando ela atendeu, era a amiga perguntando onde ela estava. Jonathan havia convencido as garotas de ir para a casa dele, pois não havia ninguém lá naquela hora. Tudo estava indo muito bem, eu estava prestes a dar uns belos amassos em uma linda loira brasileira. Descíamos a escada rolante, quando um movimento estranho acontecia um pouco à frente.
     _ Socorro! - Alguém gritava alto e de forma desesperada. - Socorro. Liguem para a emergência.
     Eu comecei a andar mais rápido indo na direção do pedido de socorro. Enquanto os gritos aumentavam.
     _ Socorro. Pelo amor de Deus, alguém liga pra emergência. - Uma voz feminina gritava aos prantos. - Alguém ajude minha mãe, ela está morrendo.
     Quando eu ouvi a palavra morrendo, algo me impulsionou a correr ao encontro daquele pedido de socorro. Havia uma multidão em volta de quem pedia socorro, e eu não conseguia identificar qual era a situação da pessoa que estava precisando de socorro; eu tentava passar, mas ninguém dava passagem; de repente não vi outra opção se não gritar.
     _ Deem-me licença, eu sou médico! - Parece que eu acabara de dizer palavras mágicas como "abre dicésamo". Pois se formou um corredor do ponto onde eu estava até uma mulher mais madura caída no chão, com a cabeça no colo de uma jovem. - Faz quanto tempo que ela está assim? - Perguntei para a garota enquanto eu me aproximava.
     _ Ela estava andando comigo há um minuto, e de repente caiu. - Ela me olhava com um olhar de clemência. - Ajude minha mãe, por favor!
     Eu pedi que o pessoal se afastasse; verifiquei a pulsação e a respiração dela, e notei de imediato que ela respirava, mas o coração não batia. Pra mim era evidente de que aquela senhora tivera uma parada cardíaca. Eu ajeitei o corpo dela, deixando-o com as costas paralelas ao chão; folguei um pouco a roupa; posicionei-me na lateral do corpo dela e comecei a fazer massagens cardíacas de forma rápida e cadenciada. Todos me observavam apreensivos, inclusive a garota que não piscava na expectativa de que tudo desse certo. Após algumas massagens e verificações para saber se o procedimento havia dado resultado; finalmente o coração dela voltara a bater. Quando eu verifiquei a pulsação e vi que ela estava de volta, eu olhei para a garota e sorri.
     _ Qual é o seu nome e o nome de sua mãe?
     _ Meu nome é Fernanda e o da minha mãe é Angelina. - Ela respondia com uma tristeza no olhar. - Como está minha mãe?
     _ O coração está batendo novamente. - Eu olhei em volta, coloquei-me de pé e perguntei para as pessoas que me olhavam. - Alguém ligou para a emergência? - E imediatamente um homem respondeu que já haviam chamado, e que eles já estavam chegando.
     Eu acabara de questionar, e enfermeiros do SAMU chegavam com materiais para socorros e maca. Quando eles se aproximaram, eu os informava do ocorrido e do que eu fizera, enquanto eles verificavam a pulsação de Angelina. Depois que ela estava na maca, e pronta para ser levada ao hospital, o enfermeiro perguntou para Fernanda.
     _ Você quer que a levemos para a emergência ou para algum hospital de sua preferência? - Ele nem esperou a resposta e continuou. - Ou prefere que levemos para o hospital do seu amigo ai? Pois se não fosse ele, provavelmente sua mãe não estaria mais viva.
     _ Levem-na para o Hospital Vitalys. - Ela disse sem pensar duas vezes. - Meu pai é o diretor clinico desse hospital, além de ser cardiologista. - Ela virou-se para mim e sorriu. - Qual é seu nome mesmo? O doutor trabalha em qual hospital?
     _ Meu nome é Samuel, e acabo de chegar dos Estados Unidos; por isso não estou trabalhando em nenhum hospital por enquanto.
    _ Eu gostaria de anotar o telefone do senhor Dr. Samuel, pois com toda certeza meu pai vai querer agradecê-lo por ter salvado a vida de minha mãe.
     _ No momento estou sem celular. O meu dos Estados Unidos não funciona aqui, mas você pode ligar para o telefone fixo da casa de minha mãe, ou pedir seu pai que me responda por e-mail. Eu mandei um e-mail para o hospital com meu currículo.
     _ Então está certo! Meu pai entrará em contato.
     O povo me olhava e me aplaudia enquanto eu me afastava. Eu me sentia como um herói; e era assim que as pessoas ali presentes estavam me tratando. Procurei por Jonathan e as garotas, mas infelizmente só encontrei  o meu amigo; as meninas havia ido embora. Meu amigo e eu fomos embora, e em pouco tempo ele me deixava na porta da casa de minha mãe. Assim que entrei em casa, fui direto para o computador verificar meus e-mails, e para minha surpresa havia um retorno. Olhei o e-mail com cuidado; nele havia um agendamento de entrevista para ocupar a vaga de médico assistente. Respondi confirmando e aguardei o horário para ser entrevistado.
   
     Dois anos havia se passado e eu trabalhava como médico responsável pela ala de urgências e emergências. Era evidente que aquela ala não era bem o local que eu queria estar trabalhando, mas eram dali que eu tirava o dinheiro para pagar as minhas contas, as prestações do meu carro e meu apartamento. Nos últimos dias eu estava avaliando a possibilidade de alugar uma sala para montar o meu consultório particular, mas se eu fizesse isso, seria um risco que eu estaria correndo; pois com o aluguel de uma sala, mais os móveis e materiais necessários para montar o consultório; comprometeria mais de cem por cento o meu orçamento mensal; por isso eu teria que pensar muito bem no que fazer e qual decisão seria a mais acertada.
     Eu acabara de assumir o plantão, quando uma senhora trazida pelo SAMU adentrava no hospital com parada cardíaca. Imediatamente fui ao socorro daquela senhora. Assim que eu a avistei, uma lembrança remota tomou toda a minha atenção por alguns segundos; tempo suficiente de um enfermeiro me chamar.
     _ Dr. Samuel, o senhor não vai fazer nada?
     _ Vou sim! - Eu respondi voltando a mim e verificando a pulsação daquela mulher. - Preparem o desfibrilador. Ela está sem batimentos cardíacos. - Eu concluía retomando a lembrança daquela mesma senhora tendo uma parada em pleno shopping ao lado da filha. Filha esta que havia prometido um retorno do pai dela, que nunca houve. Hoje aquela mulher estava sozinha, mas o nome dela ainda estava em minha mente. Eu tenho plena convicção de que aquela mulher se chamava Angelina.
     Fiz os procedimentos necessários para salvar a vida daquela mulher; com ajuda divina e um bocado de experiência, conseguimos fazer aquele coração cansado voltar a bater. Como precaução deixamos Angelina de observação e ligada a alguns aparelhos de monitoramento. Pedi a assistente social para avisar a família, e quando eu ia sair do quarto da paciente, ela abriu os olhos e me olhou fixamente.
     _ Onde estou? - Ela perguntou com muita dificuldade. - Como eu vim parar aqui?
     _ Olá Angelina. Eu sou o Dr. Samuel. - Eu me aproximava dela enquanto ela me encarava fazendo uma expressão de reconhecimento. - A senhora passou mal, e foi trazida para este hospital pela ambulância do SAMU. Fui eu quem a socorreu.
     _ O que eu tive? - Ela mal conseguia falar.
     _ A senhora não deve fazer esforços. Descanse, pois sua família foi avisada, e logo estarão aqui para conversar com a senhora. - Eu pausei. - Mas respondendo a sua pergunta, a senhora chegou aqui com parada cardíaca.
     _ Se não estou enganada, foi o doutor que me socorreu uma vez no shopping. Estou certa?
     _ Sim, está!
     _ O meu marido nunca voltou para agradecê-lo. Sinto-me até envergonhada com isso.
     _ Não fique assim. Fiz um juramento de salvar vidas. Seu marido nunca me deveu nada. Fiz o que deveria ser feito. - Eu olhei com paciência para ela, e então falei. - A senhora terá que fazer alguns exames. Sou especialista em cardiologia como o marido da senhora. Então acredito que assim que ele ver os pedidos de exame que eu exigi, logo saberá a importância de fazê-los.
     _ Eu acredito que já tenha feito esses exames por esses últimos dias, estamos aguardando o resultado.
     _ Tudo bem. Agora descanse. Volto mais tarde para avaliá-la.
     Novamente quando eu ia saindo, a porta do quarto se abriu; um homem acompanhado de enfermeiros e uma maca entraram e sequer me olharam; logo em seguida uma jovem entrou. Eu a reconheci imediatamente, ela era a filha de Angelina. Ela passou por mim me encarando e deu um leve sorriso sem graça; não disse nada; apenas passou e se aproximou da mãe. Logo em seguida o diretor clinico do hospital entrou no quarto, me saudou e se aproximou do senhor que entrara com os enfermeiros.
     _ Dr. Borges, esse aqui é o Dr. Samuel. - Ele esperou que apertássemos as mãos. - Foi ele quem socorreu a sua esposa.
     _ Pela segunda vez. - Disse Angelina interrompendo o diretor clinico. - Ele é o médico que me socorreu no shopping alguns anos atrás. 
     O marido dela não dera muita confiança, e observava o diretor clinico falando.
     _ Dr. Samuel, o Dr. Borges veio buscar a esposa para levar para o hospital que ele comanda. Os papéis de transferência estão quase prontos; como você é o médico responsável pelo caso dela; precisamos apenas da sua liberação.
     _ Eu não posso liberá-la nessas condições. Se eu fizer isso, estarei colocando a vida de minha paciente em risco.
     _ Ela é minha paciente. - Disse o esposo de Angelina um pouco nervoso.
     _ Enquanto ela estiver nesse hospital. - Eu respirei fundo antes de continuar. - Ela é minha paciente.
     _ É por isso que estou indo levá-la daqui.
     _ Tudo bem! - Eu falei com muita tranqüilidade. - Você pode assinar um documento no qual você se responsabiliza por qualquer eventualidade que acontecer com ela. Após isso, você pode levá-la quando quiser.
     _ Você é insolente. - Disse Dr. Borges. - Mas isso mostra que você é cuidadoso com seus pacientes. - Ele virou-se para o diretor. - Onde está esse documento? Traga logo, vou assiná-lo e levar Angelina daqui.
     O diretor ia saindo, quando Angelina falou alto.
     _ Eu só saio desse hospital se você contratar o Dr. Samuel. - Ela aguardou um pouco quando viu a reação de surpresa de todos os presentes. - Ele me salvou duas vezes, e só continuo o meu tratamento, se o Dr. Samuel fizer parte do corpo de funcionários do Hospital Vitalys.
     Eu tomei um susto com o que Angelina acabara de falar. De repente eu vi a oportunidade de trabalhar no hospital dos meus sonhos. Eu me mantive calmo e calado, enquanto Dr. Borges conversava afastado com o diretor do hospital que eu trabalhava. A filha de Angelina e Dr. Borges ficava de longe observando tudo. Eu resolvi não esperar mais para ver no que aquela conversa iria dar, então passei por eles e sai do quarto. Eu segui diretamente para a minha sala na emergência; pois deveria começar a atender os pacientes que aguardavam com certa impaciência. Logo de cara atendi um senhor de setenta e seis anos com pressão alta, e após ministrar o medicamento, orientei a enfermeira que o deixasse de observação por cerca de duas horas. O próximo paciente foi uma mulher de trinta e nove anos; ela queixava-se de dor nas costas, e após verificação visual e apalpar o local, não notei fraturas, mas para resguardar a vida da paciente e minha segurança, pedi um exame de raio-x da coluna. Vieram vários outros casos simples e sem complicação nenhuma; porém quando eu estava prestes a largar o meu plantão, surgiu uma paciente de vinte e sete anos dando entrada com crises convulsivas. Aguardamos a crise cessar tomando os devidos cuidados para que ela não se ferisse. Verificamos o histórico da paciente com o namorado que a acompanhava, e constatamos que era comum ela ter crises de vez em quando. Pedi à enfermeira que ministrasse o medicamento, e deixei uma guia de encaminhamento para o neurologista do hospital. Antes de ir embora passei no quarto onde Angelina estava, mas o quarto estava vazio; ela havia sido transferida e eu não soubera do resultado daquela conversa. Fui embora para meu apartamento; tomei um banho; fiz um macarrão com molho de carne e milho, e jantei. Eu estava indo dormir, pois estaria novamente de plantão no outro dia logo pela manhã, quando resolvo olhar meus e-mails. Logo no início da página, havia um e-mail do Hospital Vitalys, e quando abri, eu não entendi muito bem ao certo o que ele queria dizer. Nele pedia que eu comparecesse no Hospital Vitalys às quatorze horas do dia seguinte, mas isso seria impossível, pois eu estria trabalhando. Fechei o e-mail e fui dormir. No dia seguinte bem cedo, eu chegava ao hospital para assumir o plantão, quando outro médico; colega meu; passou por mim.
     _ E ae Samuel, fiquei feliz por você cara. - Ele sorria. - Só não gostei de saber que eu que teria que cobrir o seu plantão. Estarei aqui trabalhando hoje, amanhã e depois.
     _ Como assim? - Perguntei sem entender do que ele falava. - Você está falando de que? Feliz pelo que? Por que vai cobrir o meu plantão se eu estou aqui?
     _ Luíza do setor pessoal está querendo falar com você! - Ele começou a se afastar. - Agora me dê licença que tenho que assumir o plantão. Você viu o inferno que esta lá fora né?
     Ainda sem entender o que estava acontecendo, fui até a sala do setor pessoal. Bati na porta e entrei. Luíza olhou para mim por de traz de uns óculos fundo de garrafa já dizendo.
     _ Dr. Samuel, preciso que assine sua demissão!
     _ Demissão? - Eu falei quase gritando. Na minha mente veio de imediato as parcelas do carro e do apartamento que ainda faltavam quitar. - Como assim, demissão? Fui demitido por qual razão?
     _ Não sei bem, o diretor só mandou agilizar os papéis. - Ela ajeitou os óculos e continuou. - Mas dizem as más línguas, que foi a pedido do Dr. Borges; o diretor clinico do Hospital Vitalys; eles falam que foi por causa da sua discussão com ele ontem.
     _ Tudo bem! Em qual local eu assino?
     Depois que assinei minha demissão, eu saí furioso do hospital e fui diretamente ao Hospital Vitalys para tirar satisfação com o Dr. Borges. Assim que cheguei ao meu destino, fui até a recepção e falei com a recepcionista.
     _ Bom dia!
     _ Bom dia! - Ela respondeu com uma voz calma e meiga.
     _ Eu gostaria de falar com o Dr. Borges.
     _ O senhor tem horário marcado?
     _ Não!
     _ Aguarde um minuto que vou ligar para a secretária dele para ver se ele pode atendê-lo agora.
     _ Obrigado! - Agradeci segurando a minha raiva.
     _ Qual é o nome do senhor?
     _ Samuel! Meu nome é Samuel - Antes que ela falasse com a secretária do médico, eu continuei. - Avise a ela que só vou sair daqui depois que ele me receber.
     _ O senhor é Dr. Samuel?
     _ Sim, sou eu.
     _ O senhor pode seguir diretamente para a sala do setor pessoal. Fica no segundo andar; só pegar o elevador e virar à esquerda; é a terceira sala com a porta verde. A funcionária já o aguarda.
     Eu não entendia bem o que estava acontecendo, mas fiz o que me instruíram. Chegando ao setor pessoal havia uma placa mandando entrar sem bater na porta, e assim eu fiz. Havia uma linda loira atrás de uma grande mesa cheia de papéis. Ela me olhou de cima abaixo me avaliando, e então começou a dizer.
     _ O senhor é novo. Eu imaginava alguém mais velho. - Ela apontou a cadeira para eu assentar. - Eu aguardava o senhor só depois das quatorze horas, mas é bom que eu adianto isso logo.
     _ Adiantar o que? - Perguntei confuso.
     _O senhor está de brincadeira né? - Ela perguntou com uma expressão séria.
     _ Nunca falei tão sério. Nem sei o que faço aqui.
     _ Deixe de brincadeira e assine logo sua admissão. - Ela colocou-se de pé. - Vai assinando ai que volto logo, mas desde já te dou as boas vindas. - Ela apertou minha mão e saiu da sala.
     _ Admissão? Boas vindas? Como assim? - Eu falava sozinho, pois a funcionária havia saído da sala.
     Como eu estava desempregado, com prestações de carro e apartamento para pagar, e com uma atenuante de que aquele era o hospital que eu sempre sonhara em trabalhar; assinei o contrato de admissão sem falar mais uma palavra. Antes que eu colocasse a caneta na mesa, a funcionária adentrou ao recinto me encarando.
     _ Já assinou?
     _ Sim!
     _ Deixe-me dar uma olhada para ver se está tudo certo! - Ela avaliava o documento com cuidado e fazia uma expressão de concentração. - Hum! Está tudo certo! - Ela ergueu a mão direita em minha direção e continuou. - Mais uma vez. - Ela pausou e esperou eu apertar a mão dela. - Seja bem vindo! - Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, ela pegou o telefone, discou poucos números; que supus ser ramal; e falou. - Venha até minha sala para acompanhar o novo médico do hospital no reconhecimento do seu novo ambiente de trabalho. - Ela concluiu desligando o telefone.
     Segundos depois, um enfermeiro adentrou na sala e me chamou. Olhei no crachá pendurado no pescoço dele, e confirmei ser o enfermeiro chefe da ala de emergência. Uma sensação ruim me passou pela espinha; eu tive o leve receio de que eu iria trabalhar na ala de urgências e emergências. Minhas suspeitas não demoraram muito para se confirmar, pois o enfermeiro chefe me levara para conhecer justamente a ala que eu havia temido. Isso não era tudo, eu deveria começar a trabalhar imediatamente, pois o médico que cuidava daquela ala, havia sido mandado embora.


     Já havia dois meses que eu trabalhava no mesmo setor, e aquilo não era bem o meu sonho. Eu queria mesmo assumir um local mais específico no hospital e poder ter salário o suficiente para abrir meu consultório. Era certo de que eu não estava satisfeito, e para piorar descobri por fofocas que o Dr. Borges; o diretor clínico do hospital; não ia com minha cara. Resumindo, eu estava ferrado. Meio sem querer, querendo, eu andei espiando os exames de Angelina, e pude descobrir que ela precisava de um transplante de coração. E isso foi o mais próximo que pude chegar de um caso no qual eu era especialista.
     Um dia qualquer, eu ia entrando no hospital, quando Angelina passa na maca seguindo com urgência para o CTI. Ela não estava bem, e parecia que ela não duraria por mais tempo. Horas mais tarde eu dei uma passada para avaliar o estado dela, e pude vê-la ligada a vários aparelhos que ajudavam a mantê-la viva. Claro que aquilo era provisório, mas era o que eles podiam fazer no momento.
     Dois dias depois eu estava prestes a sair do hospital, quando vejo uma correria louca. Enfermeiros corriam de um lado para o outro, e vários recepcionistas ao telefone tentando completar uma ligação que nunca dava certo. Uma televisão na recepção começava anunciar um acidente que ocorrera próximo ao hospital, e que as ruas estavam interditadas. Imaginei que a correria seria por causa do acidente, até que ouvi alguém dizer.
     _ Não adianta, não consigo falar com o Dr. Borges.
     _ E nem eu consigo falar com o Dr. Ricardo.
     O Dr. Ricardo em questão era o cardiologista que havia saído do hospital meia hora antes do acidente ocorrer e atrapalhar o trânsito. Ele havia largado o plantão assim como todos que trabalharam no mesmo horário que o meu. Eu também não deveria estar ali, mas levei mais tempo que o normal para concluir os meus relatórios de atendimento e acabei me atrasando. Procurei saber o motivo de tanta correria e a tentativa de localizar os dois mais importantes cardiologistas do hospital. Só então tive a notícia que havia um coração chegando de helicóptero ao hospital para Angelina e não havia nenhum cardiologista para fazer o trasplante. Era quase certo de que os dois médicos que eles tentavam localizar, estavam presos no trânsito.
     _ Angelina vai acabar perdendo esse coração, pois aqui não há médico preparado para fazer essa cirurgia. - Dizia uma enfermeira.
     _ O coração acaba de chagar no hospital. - Falou um enfermeiro.
     Pude ver a equipe que acompanhava o coração chegando apressados e seguindo diretamente para a sala operação. A equipe preparada para a cirurgia, Angelina e o coração já estavam na sala; só faltava o cardiologista. De longe ouvi alguém falando alto, quase gritando.
     _ Não há nenhum cardiologista no hospital? - Ele falava ainda mais alto. - Vocês estão loucos?
     Me apressei em direção a essa voz e percebi que era o Diretor Administrativo conversando com outro médico. Antes que o médico pudesse dizer qualquer coisa, eu intervi.
     _ Sou cardiologista! - Respirei fundo. - Trabalho na ala de urgência e emergência. Acabei de largar o plantão.
     _ Então você deve seguir imediatamente para a sala de operações! - Disse o diretor com total veemência.
     _ Eu sou especialista em cardiologia, mas ainda não tive oportunidade de fazer uma cirurgia dessa magnitude.
     _ Não importa! - Disse o diretor administrativo. - A vida de Angelina está nas suas mãos.
     Segui para a sala de operações e comecei a realizar o transplante.


     Longas horas depois, tudo estava certo, e Angelina estava com seu novo coração batendo no peito. O trânsito havia sido liberado e Dr. Borges chegava no hospital. Ele soube de tudo que ocorreu e analisou cada relatório, além de verificar o estado de saúde de sua esposa. Eu seguia para a saída do hospital, quando o Dr. Borges me chamou.
     _ Dr. Samuel.
     Olhei com muita calma e tranquilidade, mas não disse uma palavra.
     _ Pela terceira vez você salvou a vida de minha esposa. - Ele pausou e eu continuei calado. - Eu luto em tentar fazer vista grossa a respeito dos dois socorros anteriores, mas as circunstâncias relutam em me fazer enxergar, que preciso de você nesse hospital trabalhando ao meu lado!
     _ O senhor quer chegar aonde com esse discurso? - Eu disse com voz seca.
     _ O senhor teria todos os motivos do mundo para ter deixado minha esposa sem o transplante, ainda mais depois de tudo que aconteceu; mas não, você preferiu honrar com seu juramento de salvar vidas.
     _ Não fiz isso pelo senhor! - Eu falei com uma expressão bem séria. - Fiz pela Angelina! - Pausei. - Aliás Dr. Borges, amanhã venho assinar minha demissão. Não quero ficar nem mais um minuto nesse hospital!
     _ Eu entendo sua revolta. Mas peço que avalie minha proposta antes de assinar sua demissão.
     _ Qual proposta?
     _ Se você ficar no hospital, você será o Cardiologista Chefe. Terá uma remuneração quatro vezes maior do que a que você recebe atualmente.
     Eu sorri discretamente. Então ele me fez mais uma pergunta.
     _ Você precisa de algum tempo para pensar? Precisa de alguma coisa?
     _ Eu estou igual Angelina! - Respondi sorrindo.
     _ Como assim? - Perguntou o Dr. Borges.
     _ Eu aceito! Não preciso pensar, assim como Angelina não precisa mais dizer: "Precisa-se de um coração."



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